Lucas Estanislau, no Opera Mundi.
No final da década de 1970, o movimento operário serviu como um pólo catalisador que atraiu grupos de pessoas dispostas a lutar contra a ditadura civil-militar brasileira. Direções progressistas começavam a retomar o controle dos sindicatos e dar voz ativa aos trabalhadores. O exemplo do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema e das greves de 1978-1980 traduzem o espírito de luta que rondava a época. Era preciso reunir os dispersos e empoderar os trabalhadores no enfrentamento ao regime militar. Um grupo de jornalistas e artistas, empenhados no combate à ditadura, se dispôs a cumprir o papel da comunicação sindical: assim, a Oboré nasce para nunca ter um veículo próprio, mas para editar inúmeros jornais de sindicatos e marcar sua contribuição pela redemocratização do país.
Na tradição tupi, quando uma tribo era ameaçada de alguma forma, tocava-se o Boré – instrumento de sopro que produz um som agudo – com o intuito de reunir os indígenas para lutarem em defesa. Assim, juntou-se o artigo com o substantivo e, em 1978, foi fundada a Oboré. Porém, quatro anos antes, em 1974, o embrião desse grupo começava a ser gerado quando os jornalistas Sergio Gomes e Paulo Markun, além de Laerte Coutinho, se juntaram para editar o jornal do sindicato dos trabalhadores têxteis de São Paulo. O projeto foi interrompido com a prisão dos dirigentes sindicais, mas os integrantes do grupo não se afastaram da ideia.
Em 1978, Laerte fazia ilustrações e trabalhava junto com o jornalista e militante Antônio Carlos Felix Nunes, que editava uma série de jornais sindicais. Muitas vezes sobrecarregado, Nunes tomava conta da produção de vários jornais, o que por vezes dificultava a periodicidade desses veículos. Ciente das dificuldades de comunicação com os trabalhadores, um líder sindical propôs que se criasse um grupo de jornalistas profissionais que mantivesse os veículos dos sindicatos e organizasse a comunicação do movimento operário. Esse líder sindical era o então primeiro-secretário do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema, Luiz Inácio Lula da Silva.
Objetivos e princípios
A Oboré se constitui como um serviço remunerado, prestado por jornalistas profissionais capazes de organizar a produção de veículos sindicais atender as necessidades específicas de cada categoria. “Atendendo essa sugestão do Lula, a gente conseguia individualizar os jornais, prestando atenção no que era aquela categoria, quais eram os problemas específicos”, explica Laerte.
O jornalista Sergio Gomes, hoje diretor da Oboré, conta que o grupo foi fundado baseado em quatro princípios, o que, segundo ele, garantiu a sobrevivência da organização até os dias de hoje. “O primeiro era que nós nunca teríamos um veículo próprio. O segundo era que não éramos um grupo fechado, uma ‘patota’. O terceiro era que não dependeríamos de dinheiro nem da CIA, nem da KGB, nem do governo, nem da igreja. E o quarto era que em nosso grupo só entrava gente com vontade de viver”, conta Gomes.
Ocupando o nicho existente na comunicação sindical, a Oboré passou a produzir os jornais de vários sindicatos, como o dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema, dos Metalúrgicos de São Paulo, dos Portuários de Santos, dos Químicos do ABC, dos Médicos de Sâo Paulo, entre muitos outros. O grupo contava com jornalistas e artistas experientes como Gomes, Markun, os ilustradores Fortuna e Henfil, além de Laerte.
Outro papel assumido pela Oboré foi o de produzir materiais de campanhas sindicais, como panfletos, faixas, cartazes, slogans etc. Gomes conta que “havia necessidade não apenas de se ter material de agitação com informação, mas ter uma informação que permitisse que o trabalho se desenvolvesse racionalmente”.
Segundo Gomes, um episódio inédito no movimento operário brasileiro foi a participação da Oboré na criação do jornal Unidade Sindical, uma publicação que surgiu da união de vários sindicatos em apoio ao Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema após o Ministério do Trabalho intervir no órgão, em 1979.
O jornalista conta que, na noite em que foram impressos os exemplares da primeira edição do jornal, a Polícia Federal fechou uma série de gráficas pequenas que imprimiam jornais alternativos de esquerda. “Fecharam a Juruês, a São Paulo Shimbun, mas não tiveram coragem de enfrentar o Estadão”, diz Gomes, destacando que o jornal só saiu pois foi impresso na gráfica do jornal O Estado de São Paulo. “Da gráfica saiu uma carreta Scania com 200 mil exemplares. A manchete era ‘Eu Voltei’, com o Lula”, conta Gomes, sobre a manchete do jornal do momento em que o então líder sindical retomava a direção do órgão.
‘A Voz da Contag’ e Projeto Repórter do Futuro
De sua fundação, até o começo dos anos 1990, a Oboré se dedicou a publicar jornais sindicais, além de prestar serviços e organizar campanhas pela luta democrática no Brasil. Após a redemocratização, o grupo passa também a trabalhar com a comunicação de sindicatos rurais, como por exemplo o programa de rádio “A Voz da Contag”, da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura. O programa durou 19 anos e recebeu o prêmio Ayrton Senna de Jornalismo/1999, na categoria Rádio Destaque Nacional, sendo uma das experiências mais duradouras de rádio no movimento sindical brasileiro.
No segundo semestre de 1990, surge um projeto que marcaria uma mudança de rumo na história da Oboré. Gomes, então professor da disciplina “Jornalismo Comunitário” no curso de jornalismo da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), em conjunto com o professor Manuel Carlos Chaparro, procuram o jornal Diário Popular para publicar matérias feitas por alunos dos 1º e 2º ano de jornalismo. O desafio lançado por Gomes aos seus alunos foi o de produzir reportagens sobre os bairros periféricos da cidade de São Paulo, que seriam publicadas em uma série chamada São Paulo 437 Anos – Cidade X Cidadão, em comemoração ao aniversário da metrópole. Nascia então o esqueleto do “Projeto Repórter do Futuro”, curso de extensão voltado para a formação de alunos de graduação em jornalismo. O projeto existe até hoje, em parceria com a Escola do Parlamento da Câmara Municipal de São Paulo. Em 2018, a Oboré comemora 40 anos de existência ininterrupta.
(Publicado no Opera Mundi.)
[16/2/18]