Demóstenes Romano: jornalista e militante de causas sociais (1941- 2023)

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O jornalista Demóstenes Romano Filho tinha algumas características bem marcantes. Uma era a persistência com que perseguia resultados; a outra era a obstinação pela qualidade. Estes dois traços estiveram presentes em seu trabalho como jornalista, nos anos de 1960 até meados de 1990, em redações e assessorias de imprensa, em Belo Horizonte. E também na militância pela educação e em defesa do meio ambiente, causa que abraçou depois de se aposentar, em 1994, e voltar para Oliveira, sua terra natal, onde viveu até quinta-feira, 25 de maio, quando faleceu vítima de complicações causadas por um enfarte. Demóstenes Romano foi também diretor do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais entre 1978 e 1980, na gestão de Washington Mello.

Sua obstinação pela qualidade foi vivenciada pelo jornalista Carlos Lindenberg, que trabalhou sob a coordenação de Demóstenes Romano na sucursal da revista Veja em Belo Horizonte. “Ele enxergava tudo e era muito preciso. Não passava uma informação que não fosse rechecada várias vezes”, afirma Lindenberg, que diz ter uma dívida de gratidão com Demóstenes Romano, por tê-lo levado para a revista e tê-lo feito seu sucessor na função de chefe da sucursal quando deixou a publicação e assumiu a assessoria de Comunicação da construtora Andrade Gutierrez.

Para trabalhar na Andrade, Demóstenes Romano convidou José Eduardo Gonçalves, que tinha sido seu aluno no curso de Jornalismo da PUC Minas. José Eduardo afirma que por ter partido dele o convite, acreditava que não iria ter maiores dificuldades para produzir textos que atendessem à sua expectativa. Engano dele. O primeiro texto que apresentou foi revisado sete vezes até ser considerado concluído. O tempo em que trabalhou sob a coordenação de Demóstenes Romano foi, segundo sua definição, de um aprendizado duro, mas muito profissional, que o fez entender, em toda a sua amplitude, o que é o trabalho de um assessor de imprensa. “Ele era uma pessoa perfeccionista e de uma visão estratégica extraordinária”, afirma José Eduardo.

Ao longo de sua vida profissional, Demóstenes Romano alternou trabalhos como profissional de redação e como assessor de Comunicação. Seu começo na profissão se deu pelo Binômio, por indicação de um amigo da família, Nelson Leite, ao diretor do jornal, Euro Arantes. Numa época em que não havia cursos de jornalismo, a entrada se dava pela experiência prática e sem o recebimento de salário nessa fase de aprendizado. Do Binômio, Demóstenes foi para o Estado de Minas, à época o principal jornal do Estado. Antes da chefiar a redação da Veja em Minas, ele trabalhou na sucursal de dois importantes veículos impressos do Rio de Janeiro: Última Hora e Jornal do Brasil. Foi também comentarista de televisão. Primeiro, na segunda metade dos anos de 1970, na antiga TV Vila Rica, que viria a ser a TV Bandeirantes, atual Band; depois, na TV Globo Minas, de 1983 a 1988.

Como repórter esportivo, Demóstenes entrevista o jogador Amarildo, da Seleção Brasileira

 

O primeiro trabalho como assessor de Comunicação

Seu primeiro trabalho como assessor de Comunicação foi na Secretaria da Fazenda de Minas, durante o governo de Rondon Pacheco, entre 1971 e 1975. Seu chefe era o economista Fernando Reis, que estava à frente da Secretaria e foi o mentor de um período de crescimento acelerado da industrialização do Estado e início da expansão da agricultura mineira em direção ao cerrado. Na chefia da Assessoria Econômica estava o então jovem economista Ronaldo Costa Couto, que guarda de Demóstenes Romano a imagem de um profissional muito franco e, ao mesmo tempo, muito crítico e sempre prestativo em fornecer sugestões para melhorar o que estava sendo feito. Segundo Costa Couto, Demóstenes tinha um lado perfeccionista – “Ele gostava de fazer tudo no melhor padrão de qualidade “ – mas tinha, ao mesmo tempo, um espírito de equipe muito forte. “É uma figura que deixou saudades e a quem Minas deve muito mais do que sabe”, afirmou Costa Couto.

Dez anos depois, Ronaldo Costa Couto e Demóstenes Romano voltariam a se encontrar, em um almoço no Palácio do Planalto. Costa Couto era o Chefe da Casa Civil do presidente José Sarney e queria que Demóstenes fosse o porta-voz do governo. Quando convidado, por intermédio de um outro jornalista mineiro, Demóstenes, que era comentarista da Globo Minas, disse que não tinha interesse no cargo. Diante da insistência do interlocutor, acabou aceitando o convite para ir a Brasília no dia seguinte. No livro “Família Romano – memória, afeto e gratidão”, ele relata o episódio e o desfecho que deu ao caso. “Fui, almocei, no restaurante do Palácio, na mesa com Ronaldo e no mesmo espaço com outros ministros, e voltei com a mesma falta de apetite e de encantamento com o governo”, afirmou ele no livro.

Nessa mesma época, ele recebeu um convite do então governador de Minas, Newton Cardoso, para ser seu secretário de Comunicação. Sua primeira resposta foi negativa. No livro, ele conta que Newton estava irredutível em tê-lo naquele posto. A solução que encontrou para justificar sua recusa foi avançar no sentido de melhorar as condições de trabalho dos profissionais da imprensa no governo, atuar com transparência e não perseguir os jornalistas. Como Newton dizia aceitar todas as condições que Demóstenes propunha, ele jogou sua cartada final: fazer as pazes dele (Newton Cardoso) com dirigentes e jornalistas do Estado de Minas, que estavam rompidos com o governo.

Demóstenes conta que a conversa já durava mais de uma hora quando ouviu o primeiro não de Newton Cardoso. “Isso não. Assim você quer me ver capitulando”, relatou Demóstenes Romano, que  respondeu-lhe sem pensar: “Então o senhor quer ver seu secretário capitulado?”. Terminou aí a conversa entre os dois. No cargo de secretário de Comunicação do governo de Minas, assumiu Carlos Lindenberg, para quem Demóstenes Romano acabou, mais uma vez, abrindo caminho. Ele não assumiu a secretaria de Comunicação, mas trabalhou para o governo do Estado. A convite da então secretária de Cultura, Ângela Gutierrez, que é uma das herdeiras do grupo Andrade Gutierrez, Demóstenes Romano deixou a assessoria de Comunicação da Companhia e assumiu a Chefia de Gabinete da secretária.

Mudança de rumo

No trabalho com a cultura foi que o Demóstenes jornalista foi, aos pouco, sendo substituído pelo Demóstenes militante de causas sociais. Ao deixar o governo, em 1991, ele começou a trabalhar com iniciativas destinadas a melhorar os índices da educação básica no Estado. Tais iniciativas resultaram no lançamento, três anos depois, em 1994, do Pacto de Minas pela Educação, uma iniciativa do Unicef que tinha Demóstenes Romano como secretário-executivo. O lançamento do Pacto ocorreu no mesmo ano de sua aposentadoria.  Com isso, ele se lança de corpo e alma em projetos sociais e deixa o jornalismo como uma etapa já cumprida em sua vida.

Em 1996, dois anos depois de lançado, o Pacto de Minas pela Educação já estava presente em cerca de 200 municípios do Estado. Sua prioridade era zerar a evasão e a repetência, muito por meio do trabalho de voluntários. Em agosto daquele ano, cerca de 600 voluntários participaram, em três bairros da zona leste de Belo Horizonte, do primeiro “arrastão cívico pela educação”. O objetivo era descobrir crianças que estavam fora da escola ou com desempenho fraco e risco de repetir o ano letivo.

Os voluntários visitaram cerca de 9 mil casas dos bairros Sagrada Família, Horto e Instituto Agronômico. Em cada casa foi preenchida uma ficha que identificava se naquela casa existiam crianças em idade escolar e se ocorriam eventuais problemas com elas na escola. O Pacto de Minas pela Educação duraria mais alguns anos, até que no governo de Fernando Henrique Cardoso, a prioridade passou ser a universalização da educação e a redução da evasão e da repetência. O que havia motivado a criação do Pacto de Minas pela Educação havia sido assumido pelo governo federal.

Demóstenes e a capela ecumênica que construiu em sua fazenda em Oliveira

 

Na volta para Oliveira, a preocupação com as águas

A partir daí, Demóstenes Romano dividiu sua vida entre Belo Horizonte e, cada vez mais, a fazenda Boi Parido que ele havia adquirido em Oliveira. Lá, criava gado de leite, plantava soja e cana e chegou a dar alguns passos em piscicultura e avicultura. A fazenda foi também pioneira na criação do gado da raça Pitangueira. Mas o forte era a produção de cachaça, que recebeu o mesmo nome da fazenda – Boi Parido – , que Demóstenes Romano foi buscar em Sagarana, de Guimarães Rosa. Em “Família Romano – memória, afeto e gratidão”, Demóstenes afirma que a fazenda tinha o lado do empreendimento rural mas era também o  ambiente de encontro e lazer tanto da família dele, quanto de sua esposa, Beatriz Santos Romano, com quem foi casado por 58 anos.

Foi a Boi Parido que também viu nascer o Demóstenes Romano ambientalista preocupado com a preservação dos recursos hídricos e coordenador do projeto Cidadania pelas Águas, cujo embrião foi a preservação da nascente do Rio Jacaré, que nasce em Morro do Ferro, o distrito de Oliveira onde, em 1941, Demóstenes nasceu. O projeto envolveu os proprietários rurais locais, que passaram a escarificar (fazer cortes) no solo, para que a água da chuva, em vez de escorrer e se perder, passasse a penetrar na terra indo reabastecer o lençol freático. Também foram construídas pequenas barragens para serem usadas pelo gado. O projeto de reabilitação do rio Jacaré foi tão bem-sucedido que passou a fazer parte das iniciativas apoiadas pela Agência Nacional das Águas (ANA).

O escritor Olavo Romano acompanhou atentamente a trajetória do irmão, como jornalista e ambientalista, e afirma que ele fazia isso porque era uma pessoa tenaz e, ao mesmo tempo generosa. Tão generosa que na juventude, usou todo o dinheiro que havia poupado para o casamento para fretar um avião que trouxe para a capital o irmão Paulo Romano, que havia se acidentado no interior e necessitava de uma cirurgia de urgência. Ele foi operado e se salvou. Aos que lhe perguntavam a razão de estar à frente de iniciativas como o Cidadania pelas Água, ele dava sempre a mesma resposta: “Faço isso não para salvar o mundo, mas para ver se me torno um ser humano melhor”.

Demóstenes em família. Ele está atrás do pai, com mãos nos ombros das irmãs Vera e Raquel

 

O terceiro de uma prole numerosa de 15 irmãos

Demóstenes Romano era o terceiro de uma prole de 15 filhos que teve Demóstenes Romano, o pai, que deu ao filho o mesmo nome seu e faleceu em 2014; e Waldete Viana, falecida em 2014. Demóstenes, o filho, nasceu em Morro do Ferro, onde viveu os sete primeiros anos de sua vida. Com oito anos, a família mudou-se para uma fazenda também em Oliveira, onde ele teve contato com a vida rural e seus inúmeros ofícios, como cuidar de gado, arriar cavalo e cuidar de plantios.

O primeiro contato seu com o mundo do jornalismo se deu ainda quando ele era criança. Seu pai era assinante do jornal Diário de Notícias, do Rio de Janeiro, que chegava a Morro do Ferro com três dias de atraso e era lido como se as notícias fossem daquele dia. Na adolescência, por pouco não enveredou pelo mundo do futebol. Chegou a ser jogador do Social, time de Oliveira, e teve convite para treinar no Atlético Mineiro. Só que no fim de semana da véspera do dia em que ia se apresentar ao time, Demóstenes foi cercado pelo amigo Nelson Leite com um recado para que se apresentasse na segunda em um outro local que nada tinha a ver com o futebol. Era a redação do jornal Binômio, que lhe abriu as portas para o mundo do jornalismo e acabaria moldando sua trajetória.

Beatriz Romano afirma que Demóstenes fez a passagem do jornalismo para o mundo dos projetos sociais sem muita nostalgia pelo passado. Demóstenes dizia que o mundo do jornalismo havia sido uma etapa maravilhosa em sua vida, mas acabou. Beatriz afirma que Demóstenes era uma pessoa que sempre tinha muitos projetos em mente. E que, talvez por isso, não tenha sofrido ao se aposentar e deixar o jornalismo. Seu legado, segundo ela, é o da generosidade, da defesa do meio ambiente como uma missão e a coragem de pensar diferente. “Teninho [como era conhecido nos círculos mais íntimos] tinha capacidade de escutar as pessoas; tranquilidade para analisar; e habilidade para ponderar e levar as pessoas a pensarem”, afirma Beatriz.

Demóstenes e Beatriz: casamento de 58 anos e legado de generosidade e coragem de pensar diferente

 

O reconhecimento da proximidade do fim

Segundo Olavo Romano, apenas quando foi internado para tratar de um problema cardíaco que apareceu subitamente, uma semana antes de vir a falecer, Demóstenes Romano manifestou o sentimento de que seu tempo estava chegando ao fim. Ele foi internado para se tratar de uma arritmia. No hospital, teve um infarte, recebeu dois stents e teve uma parada cardíaca. Na sequência, recebeu outros dois stents. No meio do tratamento, seu rim começou a falhar. Aí, segundo Olavo Romano, ele foi se apagando, perdendo a energia. “Ele resolveu ir embora”, lamentou Olavo.

Demóstenes Romano filho (22 de junho de 1941 – 25 de maio de 2023)

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