STJ consagra direito ao esquecimento na internet: o que isso significa?

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Por Luca Belli.

No dia 8 de maio, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) consagrou o “direito ao esquecimento” de uma promotora de Justiça do Rio de Janeiro, cujo nome era automaticamente associado ao tema “fraude em concurso para juiz” ao utilizar buscadores da Internet, como Google ou DuckDuckGo.

Segundo o STJ, a promotora, que já foi inocentada da acusação de fraude pelo Conselho Nacional de Justiça, merece que seu nome não seja associado a informações desabonadoras que “causam danos à honra e à intimidade.” A decisão é particularmente relevante porque consagra explicitamente o direito ao esquecimento cujo debate, infelizmente, continua sendo dominado por opiniões confusas, que tornam difícil chegarmos a um consenso sobre o assunto.

Desde a sua origem, na Europa, o debate sobre o direito ao esquecimento tem cristalizado opiniões contrastantes e tem sido explorado frequentemente para finalidades políticas. A discussão é complicada ulteriormente pela existência de concepções divergentes do que é o direito ao esquecimento e pela necessidade de considerar os desdobramentos desse direito no âmbito digital.

Uma definição básica

Já no caso “Chacina da Candelária” (Recurso Especial nº 1.334.097), o STJ definiu o direito ao esquecimento como um “direito de não ser lembrado contra a sua vontade, especificamente no tocante a fatos desabonadores”. A solidez dessa definição será testada em breve pelo Supremo Tribunal Federal, que deve pronunciar-se sobre o assunto no âmbito do caso Aída Curi (Recurso Extraordinário nº 1.010.606).

A deliberação no caso Aída Curi é particularmente atendida porque vai firmar uma tese que será replicada para todos os tribunais de nível inferior. Parece indispensável, então, que, para que cada indivíduo forme a sua opinião sobre o assunto, sejam fornecidos os elementos necessários a fim de compreender o que significa o direito ao esquecimento e por que tal direito adquiriu uma relevância fundamental na era da Internet.

Nesse sentido, mostra-se importante destacar que, até hoje, a jurisprudência brasileira se concentrou principalmente no esquecimento no âmbito analógico, onde o direito a não ser lembrado é afirmado pelo indivíduo face aos veículos de imprensa tradicionais.

No âmbito digital, o direito ao esquecimento não é verdadeiramente um direito de não ser lembrado, mas o direito de ter suas informações pessoais desindexadas pelos buscadores da Internet, em especial, quando tais informações não forem corretas, relevantes ou atualizadas, como destaca a decisão do STJ desta terça-feira. Então, o esquecimento no âmbito analógico e digital se aplicam a duas relações diferentes. O esquecimento analógico regula a relação indivíduo-imprensa, enquanto o esquecimento digital regula a relação indivíduo-buscador.

Cabe destacar que esse direito não é algo que surgiu ex novo, mas, ao contrário, é uma natural consequência do direito fundamental à privacidade e do direito à proteção dos dados pessoais, que são considerados princípios base da disciplina do uso da Internet no Brasil, como enunciam muito explicitamente os artigos 2º e 3º do Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014).

Esquecimento ou desindexação?

O debate sobre direito ao esquecimento no âmbito digital seria mais claro se fosse definido como direito à desindexação para os buscadores, porque a informação pessoal, objeto do pedido de “esquecimento”, não será de facto esquecida para alguém ou “apagada” da Internet. Ao contrário, o esquecimento no âmbito digital significa simplesmente que, no momento da inserção do nome de um indivíduo em um buscador, tal buscador não incluirá as informações desindexadas entre os resultados.

Logo, a consequência da desindexação é que a informação pessoal desindexada deixaria de ser oferecida como resultado da busca sobre o nome da pessoa à qual se refere, mas continuaria sendo livremente accessível na Internet.

Porém, apesar de o direito à desindexação ser reconhecido de jure, cada pedido deveria ser avaliado, fazendo uma ponderação entre, de um lado, o direito à privacidade do indivíduo e, de outro lado, a liberdade de informação do público. Assim, o direito ao esquecimento não deve aplicar-se, por exemplo, para um político que peça a desindexação de informações sobre a sua condenação por corrupção, porque tais informações são claramente de interesse do público.

De outro lado, um indivíduo que não seja uma figura pública e seja vítima de um crime acontecido no passado deve ter o direito de pedir para um buscador que, quando o nome dele for procurado na Internet, os artigos sobre tal episódio não sejam oferecidos como resultados. Imaginem as consequências pessoais e psicológicas que um indivíduo pode ter devido ao fato de ser marcado ad aeternum por conta de um acontecimento isolado que cada pessoa tem o direito de deixar no seu passado.

Como surgiu o direito ao esquecimento na Europa?

A questão fica mais clara considerando como surgiu o debate europeu sobre o direito ao esquecimento no âmbito digital. Na Europa, o debate foi levantado em função de Mario Costeja Gonzalez, um cidadão espanhol que, paradoxalmente, nunca será esquecido e sempre será lembrado em razão de seu pedido de esquecimento ao buscador Google.

Costeja pediu que fossem desindexados os links para informações pessoais que ele considerava já não relevantes. Quando o nome dele era procurado no Google, o buscador sugeria como resultados artigos que relatavam a sua insolvência como devedor há vários anos atrás. Costeja argumentava que, apesar de ter sido condenado por insolvência, ele já tinha pago a sua dívida com a justiça há anos e era, portanto, injusto que o seu nome continuasse sendo associado eternamente com um erro que ele cometeu no passado.

O caso chegou até o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) que, no acórdão Google Spain (proc. C-131/12), considerou que os buscadores têm a capacidade de controlar o processamento dos dados pessoais dos indivíduos cujo nome é buscado e, portanto, têm a obrigação de desindexar as informações que sejam inadequadas, não pertinentes ou que já não sejam pertinentes por causa do tempo decorrido ou sejam excessivas. Tal obrigação é consequência do artigo 12.b da Diretiva nº 95/46 sobre proteção de dados pessoais.

Como foi regulado o direito ao esquecimento na UE?

O mecanismo resultante do caso Google Spain é interessante porque delegou a implementação do acórdão para os buscadores que operam na UE. Tal sistema prevê que cada buscador ofereça acesso a um formulário online para permitir que os indivíduos peçam a desindexação de informações que lhes pertencem e que podem ser consideradas inadequadas, não pertinentes ou que já não sejam pertinentes por causa do tempo decorrido. O mecanismo pode ser esquematizado da seguinte forma:

1-O titular das informações listadas para o buscador preenche o formulário disponibilizado pelo buscador;
2-O buscador avalia a legitimidade do pedido, considerando, especialmente, a identidade do requerente e a pertinência, a exatidão e a atual relevância das informações objeto do pedido;
3-O indivíduo recebe uma notificação da decisão do buscador;
4-O buscador suprime (ou não) os links dos resultados sobre o indivíduo requerente;
5-Em caso de desindexação, o buscador especifica nos resultados que alguns links foram removidos;
6-Em caso de não desindexação, o titular das informações pode apelar da decisão do buscador à autoridade de proteção de dados pessoais.

Olhando para frente

A proteção do direito ao esquecimento, tanto no âmbito digital como no analógico, é um elemento positivo para o indivíduo, mas deve ser concebido de forma atenciosa, porque pode ser explorado indevidamente.

Assim, é essencial definir critérios sólidos para avaliar a pertinência ou a relevância das informações objeto do pedido de esquecimento. Na ausência de tais parâmetros, a obrigação de desindexar ou de não lembrar qualquer tipo de informação “irrelevante” se tornaria a generalização de um mecanismo de censura.

Esse último ponto é também o mais destacado pelos advogados da liberdade de informação e, particularmente, do direito coletivo à memória. Tal direito é especialmente relevante em países, como o Brasil, nos quais a saída de regimes autoritários é um fenômeno relativamente recente e a investigação dos crimes cometidos durante as ditaduras militares ainda não pode ser considerado um capítulo fechado da história do país. Nesse sentido, uma concepção excessivamente elástica de quais informações deixariam de ser relevante por causa do tempo decorrido poderia obstruir a reconstrução histórica da qual vários países latino-americanos ainda precisam.

Cabe ressaltar que delegar aos buscadores a determinação de quais informações devem ser consideradas como suscetíveis de desindexação e quais são de interesse público significa, de facto, delegar a entidades privadas a regulação de direitos fundamentais. A ponderação entre direito à privacidade de um indivíduo e direito à informação dos outros é uma atividade que pertence aos juízes, cujos critérios de decisão são estabelecidos pela lei e devem conformar-se à proteção dos direitos humanos. Ao contrário, sendo entidades privadas, os buscadores visam o processo mais economicamente eficiente e a proteção do direito ao processo justo do usuário poderia não ser a sua primeira preocupação.

Por último, devemos considerar que o mecanismo desenhado na UE é somente uma possibilidade, e não a única opção. Assim, um debate público sobre o assunto pode ser não somente um exercício democrático saudável, mas também uma oportunidade para sintetizar a sabedoria coletiva em um mecanismo diferente e, talvez, mais eficiente do que o mecanismo europeu.

Luca Belli é pesquisador sênior do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV Direito Rio. As opiniões exprimidas neste artigo são estritamente pessoais.

(Publicado no Jota. Crédito da foto: Pixabay.)

[21/5/18]

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