Tortura, flagrante forjado, sequestro: os crimes da PM de Minas contra Lucas

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Por Alice Maciel, Agência Pública.

Quatro policiais da Rotam foram indiciados pela Corregedoria. Para promotor, agressões se enquadram na Lei de Tortura. Comissão da Câmara instaura procedimento sobre o caso.

“Minha coluna doía muito, não conseguia mais abrir os olhos, eu não estava aguentando nem mexer. Eles queriam me matar”, lembra Lucas Emanuel Souza Aguiar, 23 anos, sequestrado e torturado pela Polícia Militar de Minas Gerais. Os policiais não traziam a identificação na farda e levaram o rapaz em um carro particular.

Era uma quarta-feira, 25 de outubro de 2017, por volta de 2 horas da tarde. O jovem conta que estava na varanda da casa da sua avó, em um bairro na periferia de Belo Horizonte, quando um Voyage cinza parou no portão. Três policiais das Rondas Táticas Metropolitanas (Rotam) – a tropa de elite da PM de Minas – desceram do carro. Ao avistar os PMs, Lucas, que havia sido vítima de violência policial algumas semanas antes, saiu correndo para sua casa, no fim do terreno. Ele se escondeu debaixo da cama da mãe. Os homens arrombaram o portão, entraram na casa e o puxaram pelo pé. Deram chutes, socos, choques. Sufocaram-no. As irmãs, de 14, 17, 19 anos, e a tia tentaram impedir, mas também foram agredidas. “Cala a boca, vagabunda”, gritavam os homens fardados. A filha do rapaz, de apenas 3 anos, assistia à cena aos prantos. Na cozinha, mais agressões e gritaria. “Tia, quebraram meu dedo”, gemeu Lucas. Ele foi arrastado, já algemado, até o portão.

Ao ver que os policiais, sem identificação na farda, colocaram o sobrinho em um carro (o Voyage cinza), que nem era viatura, Maria Lina Aguiar pulou para dentro e o abraçou. “Daqui vocês não me tiram”, disse aos soldados, mas ela não suportou a sessão de choques aplicados com arma taser – seu corpo amoleceu e foi empurrado para fora do Voyage poucos quarteirões depois. “Tia, não deixa eles me levarem. Eles vão me matar”, gritou o rapaz, mas os policiais arrancaram o carro e sumiram. Foram mais de três horas de tortura.

A mãe de Lucas, Mônica Aguiar, estava em uma reunião quando recebeu a notícia de uma das filhas. Foi correndo para casa. No caminho encontrou a irmã, ainda cambaleando, na rua. A agonia da família durou cerca de nove horas, tempo que Lucas saiu de casa, até Mônica ter notícias de seu paradeiro, por volta de 11 da noite, depois de rodar a cidade, de delegacia em delegacia. Ativista do movimento feminista negro, ela acionou toda a sua rede. Mônica publicou o desaparecimento de Lucas na internet. A mensagem inundou as redes sociais. O caso chegou ao presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB, William Santos, e aos ouvidos do então secretário de Direitos Humanos do Estado Nilmário Miranda (PT).

Já estava escurecendo quando o telefone de um dos soldados que agrediam Lucas – na memória do jovem, em uma casa abandonada – tocou. Um suspiro de alívio, sua salvação, pensou. “Eles pediram para eu colocar a roupa e correr, acho que iam atirar, mas o telefone tocou”, recorda. “Levanta aí, dessa vez você pode ir embora, você ganhou”, disse um dos PMs ao rapaz. Os policiais o levaram até uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA). “Falaram para eu inventar uma história para a médica. Disse que caí.” Seu nariz sangrava muito, o corpo todo doía. Depois da UPA, os militares levaram Lucas para um matagal. “Eles estavam com um galão de água. Eles me limparam antes de ir para a Civil [Polícia Civil]. Jogaram água na minha cabeça, me limparam com uma blusa escura. Meu olho estava fechado já, não estava aguentando abrir de tanta porrada que eles estavam me dando”, relatou.

O boletim de ocorrência foi feito às 18h44 do dia 25 de outubro, na delegacia da Polícia Civil de Venda Nova, horas antes da família localizá-lo. Os policiais alegaram que encontraram cocaína e duas armas com Lucas. De acordo com o registro dos militares, durante o patrulhamento, eles “depararam com vários indivíduos em atitude suspeita em um veículo Voyage de cor cinza”. Os PMs informaram que Lucas fugiu, tirou algo da sua cintura e jogou na rua e que conseguiram pegá-lo dentro da sua casa. Disseram ainda que o jovem “fez posição conhecida no meio das artes marciais como base, desferindo socos e chutes em desfavor do cabo Maia, soldado Yuri e soldado Vítor”.

“Neste momento, vários de seus familiares, com a finalidade de arrebatar aquele indivíduo, atrapalhando essa ocorrência, empurrou [sic] os policiais, alguns desferiram socos e tapas, que por ser vários, não foi possível identificar quem eram esses”, acrescentaram ao documento policial. Quatro mulheres estavam com Lucas na hora de sua prisão: as três irmãs e a tia. Os oficiais informaram que encontraram cocaína na calça do jovem. No entanto, ele afirmou que estava usando bermuda, sem bolsos. Sua mãe guardou a roupa que ele vestia no dia das agressões, sem lavar, caso fosse necessário a identificação das digitais. “Lucas nunca fez artes marciais, ninguém da minha família fez ou pratica este esporte”, esclareceu Mônica.

O jovem, assim que foi preso, disse ter sido torturado, mas sua denúncia só foi registrada oficialmente na audiência de custódia, realizada dois dias depois da prisão. Sua tia e uma de suas irmãs, que foi agredida fisicamente, registraram um boletim de ocorrência assim que chegaram à delegacia para denunciar a violência. Todos fizeram exame de corpo de delito. O Instituto Médico Legal (IML) concluiu que “houve ofensa à integridade corporal ou à saúde do paciente” nos três casos. Lucas estava com um dedo da mão e o nariz quebrados, além dos machucados pelo corpo. Ele foi liberado após a audiência de custódia e foi para casa com tornozeleira eletrônica.

Clique aqui para ler a reportagem completa. Ilustração: Caco Bressane / Agência Pública.

 

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[18/5/18]

1 COMMENT

  1. Amiga de ativismo de Mônica Aguiar, integrante de sua Rede, assim como outras, vivemos horas de aflição. Ficamos traumatizadas, o que nos impede de tocar no fato, pelo qual vivemos aquelas horas de angústia e terror. E nem imagina a tudo e a tod@s que recorremos para que Lucas fosse devolvido com vida.
    Há outro aspecto ainda não adequadamente abordado: os PMs afrontaram e descumpriram a ordem de solta-lo, daí o levar a atendimento médico e forjar o flagrante. Bjim

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