Boleto de IPTU comprova que prédio do jornal Hoje em Dia é do dono da JBS

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Por Aloísio Morais. Publicado no Jornalistas Livres. 26/4/18.

BELO HORIZONTE – Não há como negar, boleto para pagamento do IPTU obtido pelos Jornalistas Livres comprova que realmente a J&F, a holding de Joesley Batista, pagou a compra do jornal Hoje em Dia, de Belo Horizonte, por R$ 17 milhões, a pedido do senador Aécio Neves. Isso é mais uma prova de que o senador tucano Romero Jucá sabia mesmo muito bem do que dizia quando se referiu ao colega mineiro como o “primeiro a ser comido”, durante diálogo telefônico com o ex-presidente do PSDB e ex-senador Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro.

Falou-se muito dos R$ 2 milhões pedidos por Aécio ao dono da JBS “para pagar advogado”, conforme delatou o empresário, mas só agora fala-se com mais vigor sobre os R$ 17 milhões usados na compra do “predinho” do jornal, como chegou a ser dito pelo próprio Joesley. Se faltava algo para comprovar a destinação dos R$ 17 milhões aos negócios do senador mineiro, aí está a guia de pagamento do IPTU do tal prédio da Rua Padre Rolim, 652, um filé mignon imobiliário bem na região hospitalar da capital mineira. Curiosamente, este é o único bem de Joesley em Minas, onde não possui qualquer negócio.

O imóvel, usado como sede do Hoje em Dia durante décadas, está em nome de nada menos do que a J&F Investimentos S/A, a holding da empresa JBS que, por sinal, teve o ministro Henrique Meirelles no comando de seu conselho de administração entre 2012 até pouco antes de assumir o atual cargo. Ali ele recebia R$ 40 milhões por ano e uma de suas raras funções seria irrigar as campanhas eleitorais dos apaniguados de Joesley. E quando se pesquisa na Prefeitura de Belo Horizonte para saber quem são os titulares da J&F, eis que aparece o nome de Joesley Mendonça Batista abaixo de Antônio da Silva Barreto Júnior como ‘contatos’.

Um prédio polêmico

Após a confissão de Joesley sobre suas relações com Aécio, há um ano, o prédio de cinco andares começou a dar o que falar. Desocupado desde que o jornal mudou de endereço nas mãos de novo dono no início de 2016 e sem alguém que se apresentasse como seu proprietário, chegou a ser ocupado, na marra, em 1º junho de 2017 por jornalistas, gráficos, pessoal da administração e movimentos sociais. Demitidos pelo atual dono sem receber seus direitos e até mesmo salários, os jornalistas viram na ocupação do prédio um bom motivo para chamar atenção sobre o drama que viviam. Conseguiram.

A ocupação colocou os holofotes sobre o prédio. Logo a J&F se apresentou como dona do pedaço e colocou o imóvel à venda por R$ 17,5 milhões. Só que surgiu nova pedra no caminho da holding de Joesley: a Justiça do Trabalho bloqueou a venda do imóvel até que se resolva o pagamento de todos aqueles que buscam seus direitos. E assim continua, e, enquanto aguarda uma solução, um terreno ao lado, também de Joesley, foi arrendado para estacionamento de veículos.

Pelo boleto do IPTU nota-se que a J&F vem pagando religiosamente as 11 parcelas de R$ 5.686,06, que vão totalizar R$ 34.116,36. Reza a lenda que o prédio é um pau que nasceu torto desde que foi construído pelo jornal Diário do Comércio, o primeiro dono, e não teria habite-se, principalmente depois que um bispo da igreja Universal resolveu construir mais um andar para instalar a nova redação sem a contratação de um arquiteto ou engenheiro.

Trajetória sinistra

Também o jornal tem uma trajetória sinistra desde que foi criado pelo então governador Newton Cardoso, há 30 anos, para ser o “maior de Minas”. Mas pouco depois acabou vendido para a TV Record/Igreja Universal, num pacote em que incluía a emissora mineira de TV da rede Record. Nas mãos dos bispos de Edir Macedo chegou a ter 64 mil exemplares impressos. Depois, decadente e acumulando um prejuízo de R$ 38 milhões em 2012, a TV Record/Igreja Universal trataram de se livrar do abacaxi em 2013. Logo apareceram apressados interessados.

Há cinco anos o empresário mineiro Rogério de Aguiar Ferreira, então dono da Axial Medicina Diagnóstica, irrompeu pela redação anunciando a compra do jornal. Saiu carregando o apelido de “Boneco de Olinda”, devido à sua estatura avantajada. Na semana seguinte correu para São Paulo a fim de acabar de fechar o negócio com os bispos da Universal. Deu com os burros n’água naquela terça-feira. À boca pequena correu a versão de que não teria levado a mala recheada com dinheiro vivo, uma exigência do bispado.

Era tudo o que a dupla Aécio/Andrea Neves queria. Imediatamente entraram em ação rumo a algum pomar onde encontrassem laranjas. Semanas depois era a vez de Marco Aurélio Jarjour Carneiro, do Grupo Bel, irromper pela redação do jornal para anunciar a sua compra no dia 18 de setembro de 2013. Parte do dinheiro da aquisição teria vindo da desapropriação de parte de um terreno da antena de rádio dos Carneiros no alto do bairro Novo São Lucas, porta de entrada da favela do Cafezal, com valor superfaturado. R$ 10 milhões, o que motivou uma ação do governo de Minas em tramitação na 5ª Vara da Fazenda, processo 1700189-54.2013.8.13.0024 do Tribunal de Justiça de MG contra a Rádio Del Rery Ltda., de Jarjour Carneiro. Outro dinheiro que entrou no negócio foram R$ 2 milhões da construtora Andrade Gutierrez, a título de publicidade que nunca foi vista.

Dono também da Rádio 98, concorrente da Jovem Pan em BH, entre outros negócios, Carneiro colocou o filho Flávio Jaques Carneiro, um amigão de Aécio, na presidência do jornal, e trouxe para comandar a redação o jornalista Ricardo Galuppo, um mineiro radicado em São Paulo.

A função de Galuppo era, principalmente, azeitar o jornal para ser usado na campanha de Aécio Neves à presidência. E azeitou. Principalmente na acirrada disputa do segundo turno, quando o jornal se esmerou em publicar, com exclusividade, sensacionais manchetes a favor da candidatura do tucano, baseadas em estranhas pesquisas eleitorais do desconhecido instituto de pesquisas Veritá, de Uberlândia, no Triângulo Mineiro. Manchetes e números que eram largamente expostos nos horários de propaganda eleitoral gratuita de rádio e TV. Cuidou o jornal também de deturpar e mentir sobre Igor Rousseff, um pacato irmão da então presidente Dilma Rousseff, morador na também pacata Passa Tempo, no interior de Minas, informações que foram exploradas por Aécio nos debates de TV entre os dois candidatos.

O episódio rendeu, inclusive, uma denúncia de ‘crime eleitoral’ contra Aécio Neves no Ministério Público Federal, onde recebeu o número de expediente 1.22000.002391/2016-50. Atualmente a denúncia está sob sigilo, após ser absorvida por Rodrigo Janot, que ordenou investigação a respeito e mandou o caso até mesmo para a Lava Jato.

Na época, Jarjour Carneiro dizia aos mais chegados: “Estamos com um dinheiro aí, vamos ver até onde poderemos ir”. E, realmente, foi até onde pôde. Se Aécio tivesse sido eleito à Presidência da República estaria nadando de braçadas no paraíso, mas, com a derrota do senador, deu com as portas abertas do inferno. Acabou vendendo o jornal por apenas R$ 1 mil, isso mesmo, sem o prédio, logicamente, para o então prefeito de Montes Claros, Ruy Muniz, marido da deputada Raquel Muniz (PSC), que ficou conhecida negativamente pelo seu “Sim, sim, sim” após elogiar a honestidade do maridão e votar pelo impeachment da presidente Dilma. Na manhã seguinte, Ruy Muniz era preso pela Polícia Federal por corrupção.

Muniz ficou com o jornal e seus credores, enquanto o prédio, o patinho feio que ninguém queria assumir, voltou para os braços daquele que patrocinou a sua compra a pedido de Aécio Neves: Joesley Mendonça Batista.

(Publicado no Jornalistas Livres. Crédito da foto: Brasil de Fato / Isis Medeiros.)

[26/4/18]

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