Agressões, vigilância, desemprego, perseguição e isolamento: como vivem os moradores que enfrentam a gigante da mineração

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Por Alice Maciel, Daniel Sant’Anna, The Intercept Brasil.

A mineração passou por cima da casa de Lúcio da Silva Pimenta, na Serra da Ferrugem. Vanessa e Reginaldo Rosa dos Santos precisaram sair do pequeno sítio onde moravam, na comunidade Cabeceira do Turco, por causa dos tremores de um mineroduto – hoje vivem em uma casa alugada. Elias de Souza e Lúcio Guerra Júnior denunciaram falta de água, poeira, barulho, insegurança, morte de riachos e do solo. Sobre os cinco moradores de Conceição do Mato Dentro, pequena cidade a cerca de duas horas de Belo Horizonte, recaíram agressões, vigilância, desemprego, perseguição e isolamento. Tudo isso causado, eles denunciam, pela gigante britânica Anglo American, a mineradora que quer construir uma barragem 7 vezes maior que a de Mariana.

A Anglo tomou o controle da operação da combalida MMX, em 2008, do Grupo X de Eike Batista. Nos últimos anos, os impactos de uma legislação frouxa – a empresa chegou a contratar ao menos um funcionário público licenciado para defender seus interesses – e de uma atuação onipresente na cidade fizeram com que cinco moradores levassem ao Ministério Público Estadual denúncias de violações causadas contra as comunidades do entorno do empreendimento. Eles pagam um alto preço pelo embate. Hoje, vivem sob os olhos do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos de Minas Gerais. Suas rotinas são vigiadas e sua movimentação é limitada por causa das intimidações. Alguns tiveram que abandonar suas casas.

Assim que começaram a enfrentar a empresa, Lúcio, Vanessa, Reginaldo, Elias e Lúcio Guerra foram ameaçados com bilhetes anônimos debaixo da porta e mensagens de celular oferecendo serviços funerários. Viram motoqueiros rondando suas casas, à noite. Um deles foi espancado na frente dos filhos. Outro não consegue emprego nem quando implora a antigos amigos. “Eu e minha família não saímos mais de casa. Sou uma pessoa isolada”, conta Elias de Souza.

Mesmo ameaçados, os cinco se uniram em abril de 2017 para impedir o avanço da etapa 3 do projeto da mineradora, que prevê a construção da colossal barragem de rejeitos maior do que a que rompeu em Mariana e causou o maior desastre ambiental do país. Conseguiram, com uma ação popular, cancelar a realização de uma audiência pública marcada pela Anglo para discutir a expansão de suas atividades.

A mobilização desencadeou uma onda ainda maior de intimidações, sobretudo depois que um jornal local publicou uma reportagem – sem assinatura – que trazia o nome dos cinco autores da ação popular. Um vídeo com depoimentos de moradores falando sobre o caso também circulou pelas redes sociais. Além de ameaças de morte, os cinco passaram a ser repreendidos em locais públicos com olhares, palavras e agressões físicas. Foi quando decidiram entrar no programa de proteção a pedido do Ministério Público do Estado.

“A estratégias da mineradora foi justamente colocar os moradores do município contra as lideranças”, diz a coordenadora do programa de proteção, Maria Emília da Silva. Segundo ela, a empresa construiu a imagem de que eles estariam “prejudicando o avanço da cidade”, o que enfureceu quem depende dos empregos da mineradora e em quem acredita que a Anglo trouxe apenas benefícios ao município. Como contrapartida da exploração, por exemplo, a empresa pavimentou 20 quilômetros da rodovia de acesso à cidade, ampliou a policlínica e implantou um centro de inclusão digital.

“Assim que a gente cancelou a audiência, a minha casa foi apedrejada”, conta Elias de Souza, que por três vezes já teve que sair com sua família de Conceição do Mato Dentro. Ano passado, ele não acatou a sugestão do programa de proteção, que queria mantê-lo por mais tempo fora, e voltou para a sua cidade. Sentia saudades. Por isso, foi desligado do programa, contra sua vontade. “Eu amo isso aqui. A nossa vida está toda aqui. Nosso umbigo está enterrado nesta terra”.

Ao incluir os cinco moradores no programa, o Estado reconhece as intimidações, mas nunca as colocou como empecilho para a empresa continuar a expandir seus negócios. Pelo contrário. A Anglo contou com um parecer favorável do governo para conseguir a aprovação da ampliação de uma barragem de rejeitos. Em 26 de janeiro, uma câmara técnica aprovou a licença prévia para que o conglomerado estrangeiro expanda também a mina.

Em nota, a Anglo American disse que “não realiza ou participa de atos de intimidação de ativistas e lideranças locais e busca uma relação de boa convivência e ganhos mútuos com as comunidades na qual está inserida” e “condena qualquer forma de assédio ou violência”. A Secretaria de Estado de Direitos Humanos, Participação Social e Cidadania informou por e-mail que “continua atuando de forma efetiva para garantir a proteção dos defensores da região de Conceição do Mato Dentro”.

Clique aqui para ler a íntegra da reportagem.

(Publicado pelo The Intercept Brasil.)

[27/3/18]

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