O juiz Marcos Vinicius Barroso, da 12ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, determinou nesta quinta-feira 15/2 imediata expedição de carta precatória ao foro de Brasília para cumprimento de mandado de bloqueio de recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) destinados às empresas do Grupo Soebras, ao qual pertence o jornal Hoje em Dia. Se for necessário – determina ainda o juiz –, o oficial de Justiça deverá solicitar o auxílio da Polícia Federal para que a ordem seja cumprida.
O bloqueio foi determinado pelo juiz Marcos Vinicius Barroso para pagamento de dívidas trabalhistas de ex-empregados do Hoje em Dia, inclusive 38 jornalistas dispensados há dois anos. A ordem judicial foi recebida pela Diretoria de Gestão de Fundos e Benefícios (Digefe) do FNDE no dia 26 de janeiro passado, mas não foi cumprida. Diante disso, o juiz decidiu solicitar novas diligências para que o bloqueio seja feito e o dinheiro depositado para os trabalhadores.
O funcionário que não cumpriu a ordem deverá ser encaminhado ao delegado de Polícia Federal, “em virtude do flagrante delito de desobediência a ordem judicial”, e a instituição multada em R$ 50 mil, caso persistam no descumprimento.
A seguir, trechos do ofício do juiz Marcos Vinícius Barroso.
“Considerando que até a presente data não existe confirmação nos autos acerca do efetivo cumprimento da ordem judicial, determino a imediata expedição de Carta Precatória a ser encaminhada ao Foro de Brasília, solicitando à Vara Deprecata que providencie à IMEDIATA expedição de mandado, a ser cumprido no Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – Diretoria de Gestão de Fundos e Benefícios – DIGEFE , Endereço: SBS, quadra 02, Bloco F, Ed. FNDE, Brasília – DF, CEP: 70.070-929, telefone: (61) 2022-4165.
“Solicito que conste no mandado que o Sr. Oficial de Justiça deve diligenciar no sentido de localizar o Sr. Jean Carlos Carvalho Cardoso, Coordenador Substituto da COFIN, matrícula nº 1480128 e/ou seu substituto ou superior imediato, para que o mesmo, NO MOMENTO DA DILIGÊNCIA, comprove a efetiva transferência da quantia solicitada e/ou explicite eventual motivo do não bloqueio, devendo informar, também, qual o montante do numerário oriundo do FIES foi destinado as empresas do Grupo SOEBRAS até 31.01.2018 e se houve repasse do montante total a mesma ou parte deste. Deverá fornecer ao Sr. Oficial de Justiça extrato da movimentação do FIES em relação aos CNPJ que constaram da ordem judicial.
“Em caso de visível descumprimento da ordem judicial (transferência de recursos aos réus constantes da ordem, após o recebimento da determinação oriunda desta 12ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte), deve o Sr. Oficial de Justiça solicitar auxílio IMEDIATO da Polícia Federal e encaminhar o Sr. Jean Carlos ao Senhor Delegado de Polícia Federal, em virtude do flagrante delito de desobediência a ordem judicial, sem prejuízo de multa de R$ 50.000,00 à instituição, na forma combinada dos arts. 40 e 301, caput, do CPP, c/c 139, IV, do CPC.”
O caso
O jornal Hoje em Dia dispensou 38 jornalistas nos dias 29 de fevereiro e 1º de março de 2016 e não pagou as verbas rescisórias e nem mesmo o salário do último mês trabalhado. O Sindicato dos Jornalistas, representando parte dos demitidos, entrou com ação coletiva na Justiça do Trabalho para recebimento das verbas devidas.
O jornal pertence ao empresário e político Ruy Muniz, proprietário também da rede de escolas Sociedade Educativa do Brasil (Soebras), conhecida por não pagar os direitos trabalhistas dos seus professores e demais funcionários. Em abril de 2016, quando era prefeito de Montes Claros, Ruy Muniz foi preso pela Polícia Federal sob acusação de desviar recursos de hospitais públicos para um hospital pertencente à sua família. Horas antes, ao votar a favor do impeachment da presidenta Dilma, sua esposa, a deputada federal Raquel Muniz, tinha citado o marido como exemplo de administrador.
Apesar disso, em outubro de 2017, o governo federal liberou R$ 10,9 milhões para o hospital de Ruy Muniz e continua repassando recursos do Fies para a Soebras. O descalabro culminou com o não cumprimento pelo FNDE da ordem judicial de bloquear o repasse. De acordo com a determinação do juiz Marcos Vinicius Barroso, o dinheiro deverá ser depositado numa conta destinada a pagar a dívida do Hoje em Dia com os jornalistas dispensados em 2016 e outros.
No final de 2015, o Hoje em Dia foi vendido pelo grupo Bel a Ruy Muniz. Em fevereiro de 2016, o novo proprietário demitiu quase metade da redação, incluindo profissionais com mais de vinte anos de casa, no último dia do mês, no fim do expediente. Vários deles foram procurados em casa para assinar a rescisão. Nenhum direito foi pago aos demitidos, nem mesmo o salário do mês.
De acordo com a Justiça, antes da demissão foram praticados “inúmeros atos de desfazimento e proteção patrimoniais na iminência do encerramento das atividades das empresas”, dentre eles alienação fiduciária e alienação de imóvel no valor de R$ 19 milhões.
O imóvel citado é a antiga sede do Hoje em Dia, cuja venda apareceu na delação premiada da JBS. Ele foi comprado por Joesley Batista, dono da JBS, a pedido do senador Aécio Neves (PSDB), réu na operação Lava-Jato, para ajudar os antigos donos do jornal, que apoiaram a campanha do candidato tucano à presidência da República, em 2014.
Em junho de 2017, jornalistas e movimentos sociais ocuparam o prédio para chamar atenção da sociedade para o calote dado nos trabalhadores pelos donos do jornal. No próximo dia 28, completam-se dois anos da demissão dos jornalistas pelo Hoje em Dia e, apesar de todos de toda a luta e das determinações da Justiça, os trabalhadores ainda não receberam um centavo sequer dos seus direitos.
[16/2/18]