Na ocupação do ‘predinho’ do Hoje em Dia, jornalistas debatem a censura dos irmãos Neves à imprensa mineira

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A democratização da comunicação já é um dos temas principais da sociedade brasileira, tão importante quanto a reforma política e a reforma do judiciário. A manipulação de informações e o controle da grande mídia por interesses políticos causam enormes prejuízos para a população, com atrasos em todos os setores sociais.

Estas afirmações foram feitas, respectivamente, pelo jornalista João Paulo Cunha e pela presidenta da CUT Minas e do Sind-UTE, Beatriz Cerqueira, durante debate sobre a influência dos irmãos Aécio e Andrea Neves na imprensa mineira, realizado na noite de quinta-feira 1/6 na ocupação da antiga sede do jornal Hoje em Dia (foto). A ocupação, que entrou hoje no segundo dia, tem a intenção de exigir solução para a situação dos mais de cem funcionários demitidos pelo jornal em 2015 e 2016 sem receber seus direitos trabalhistas.

As falcatruas envolvendo Aécio Neves, a JBS, o antigo dono do jornal – Flávio Jarjour Carneiro – e o atual, Rui Muniz, na venda do edifício foram reveladas na delação feita por Joeslei Batista à Procuradoria Geral da República. Enquanto o “predinho”, como o chamou o dono da Friboi, era comprado a preço superfaturado, como forma de fazer dinheiro da JBS chegar ao senador tucano, o jornal se negava a pagar salários e rescisões dos demitidos, situação que persiste até hoje.

Boa pauta

Beatriz, João Paulo e várias das dezenas de pessoas presentes ao debate deram testemunhos de um sem-número de casos em que os irmãos Neves censuraram a imprensa durante o período em que estiveram no poder (2003-2012). Segundo João Paulo, a pergunta feita por uma jornalista a Andrea Neves no momento em esta era presa pela Polícia Federal – “Andrea, esta é uma boa pauta?” – foi pertinente, pois explicitou a relação mantida pelo governo tucano com a mídia mineira.

“A esta pergunta temos que responder com duas pautas: não deixar morrer essa vontade de democratizar a mídia e fazer jornalismo de qualidade”, frisou João Paulo.

João Paulo recapitulou a história brasileira para demonstrar que a palavra política puxa a palavra comunicação. “Desde a Revolução de 30, sempre que a imprensa entrou no processo político foi para fazer o papel mais sujo possível”, disse. “O mais grave é que hoje a imprensa se tornou protagonista do golpe”, destacou.

Pela primeira vez, porém, segundo o jornalista, filósofo e psicólogo, há possibilidade de virar o jogo. Prova disso é que o plano emergencial da Frente Brasil Popular incluiu a democratização da comunicação entre seus pontos principais, com o mesmo grau de importância da reforma política e da reforma do judiciário. O assunto também ganhou espaço nas universidades e centros de pesquisa.

“A comunicação, hoje, é a grande pauta, somos a bola da vez”, disse João Paulo. “Cabe a nós, jornalistas, reverter o passado e oferecer uma alternativa democratizante”, conclamou.

Ele mostrou que o sistema de comunicação em Minas Gerais, durante o governo dos irmãos Neves, foi montado para não permitir o discurso divergente, para dar ênfase ao que não interessava à população e esconder o que interessava. “Por não compreender o papel da crítica, é que Aécio chegou ao buraco em que está”, disse João Paulo.

Enquanto Aécio fazia troca de benesses com dinheiro público, comprando o baixo clero da política, Andrea vendia o irmão como moderno e realizador de grandes projetos – o contrário do que ele realmente era. O objetivo era levá-lo à presidência da República. “A derrota na disputa para a presidência provocou um esvaziamento muito rápido dessa imagem”, analisou João Paulo.

O projeto dos irmãos Neves foi nefasto para o jornalismo, pois impediu que os jornalistas tivessem acesso aos fatos. “Um bunker de vigilância monitorava tudo que se dizia sobre o Aécio, até mesmo no Facebook e no Google”, disse João Paulo. “Me perguntam se é verdade que Andrea ligava para as redações. Sim, é verdade: ela ligava, gritava e berrava”, contou.

O quadro era completado pela manipulação de verbas publicitárias, que Andrea controlava, pagando favores com dinheiro público. Além disso, foram abertos canais de financiamento pelos quais as empresas de comunicação faziam empréstimos e não pagavam. “Hoje, a imprensa é um setor que tem restrições de crédito dos bancos, por dar calotes com chancela pública”, ressaltou João Paulo.

Silenciamento

Beatriz deu o testemunho de uma categoria profissional de servidores públicos que sofreram na carne a censura dos governos Neves: os professores. “Somos 80% do funcionalismo público e a base da pirâmide salarial. Iniciamos um enfrentamento do processo de destruição da educação pública, fizemos três grandes greves, colocamos 15 mil, 20 mil pessoas nas ruas e nos dias seuintes a gente procurava nos jornais e não encontrava nem uma linha”, relatou Beatriz.

O silenciamento da luta foi um dos mecanismos de censura impostos pelo governo Aécio, segundo a presidenta do Sind-UTE. “Uma professora fez uma greve de fome de oito dias e a imprensa não deu uma matéria sequer. Ficamos em greve durante 112 dias, tivemos quatro meses de ponto cortados, sofremos mais de 100 processos administrativos disciplinares de perseguição por participar da greve e nada disso foi noticiado”, lembrou.

O silenciamento da realidade de Minas Gerais foi outro aspecto da censura. A publicidade oficial dizia que as políticas públicas iam bem, os dados eram maquiados. No entanto, o governo não investia na educação os 25% que a Constituição determina, nem os 12% em saúde. “Mais de R$ 20 bilhões deixaram de ser investidos em educação e saúde em Minas”, disse Beatriz Cerqueira.

“Todos os programas do governo eram programas de vitrine”, definiu a presidenta do Sind-UTE. A publicidade e a blindagem da impresa impediram que a população soubesse o que acontecia no estado e se articulasse para resolver os problemas. Se tudo ia bem, as pessoas pensavam que os problemas eram específicos e locais.

Outro método de ação do governo dos Neves, segundo Beatriz Cerqueira, foi a criminalização das lutas. O PSDB moveu contra o Sind-UTE 24 processos. Oito dirigentes foram processados por “abuso de poder econômico” e os tucanos pediram que os sindicalistas tivessem seus direitos políticos cassados. Todos foram inocentados, mas Beatriz Cerqueira continua sendo processada e investigada pela Polícia Federal desde 2015. “Como os processos não tiveram sucesso, eles passaram à perseguição pessoal”, contou a sindicalista.

Os professores sofreram também a violência policial, que ultrapassou aquela violência em manifestações, com uso de bombas, cassetetes, balas de borracha, cães e gás de pimenta. Os dirigentes sindicais eram espionados e seus telefones eram grampeados. Nas cidades do interior, nas vésperas de manifestações, professoras eram visitadas em casa por policiais militares e intimidadas. Apesar das denúncias, as notícias não saíam nos jornais. “Este grupo político fez muito mal a Minas Gerais”, resumiu Beatriz Cerqueira. “Mas nenhum império é eterno.”

(Crédito da foto: Ale Coronel / Mídia Ninja.)

[2/6/17]

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