Uma licitação, estimada inicialmente em R$ 21 milhões, para fornecimento de mão de obra de 85 jornalistas e radialistas para a Rede Minas, que integra, junto com a Rádio Inconfidência, a Empresa Mineira de Comunicação (EMC), teve somente dois interessados, sendo que um deles, nega ter participado do certame, pois atua na área de instalação e manutenção de sistemas de ar condicionado. De acordo com a empresa de ar condicionado, que pediu para não ter seu nome divulgado, ela não participa de “nenhuma licitação que não é compatível com o objetivo de nossa empresa”. Um dos responsáveis dessa empresa de ar condicionado disse que consultou o site de compras e que não há documentos oficiais que comprovem que ela se cadastrou para esse pregão. A empresa disse que vai acionar o jurídico para abrir um procedimento e apurar junto ao governo do estado o que teria acontecido.
A proposta, que foi vencida pela Partners Comunicação, no valor de R$ 12 milhões, era para o fornecimento de mão de obra para atuar na TV Minas na continuidade do “Estude em Casa”, agora rebatizado de “Se Liga na Educação”, programa de tele-aulas exibido na Rede Minas, emissora pública mineira, durante a pandemia da Covid, em substituição às aulas presenciais. A Partners foi procurada pela reportagem dos @jornalistasdeminas, mas não se pronunciou sobre ter sido a única interessada. Disse apenas que o “processo ainda não foi homologado”.
A Rede Minas e a Secretaria de Estado da Educação não responderam ao questionamento feito pela reportagem se o pregão vai ser homologado e nem se manifestaram sobre a informação da empresa de ar condicionado de que não participou do pregão.
DOIS LANCES
No pregão, realizado no dia 28 de abril, a segunda empresa, foi desclassificada porque teria apresentado o valor irrisório de R$ 95,3 mil. No dia seguinte (29/04), no mesmo site, o portal de compras do governo mineiro, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) realizou um pregão semelhante para a contratação de 100 profissionais da área de comunicação, orçado inicialmente em R$ 11,8 milhões, quase a metade do valor informado pela Rede Minas para o seu edital, que foi de R$ 21 milhões. A vencedora do pregão do TJMG foi a Criart Serviços de Terceirização de Mão de Obra. Ela encarou uma disputa acirrada, foram 251 lances dados por 14 empresas, e venceu pelo valor de R$ 10,2 milhões. Já a licitação da Rede Minas teve dois lances ofertados por somente uma empresa. A outra, que nega ter participado do certame, foi desclassificada pelo baixo valor da proposta e nem chegou a apresentar nenhum lance.
A licitação vencida pela Partners vai custar mais caro que toda a folha anual da Rede Minas em 2021, que englobou cerca de 200 servidores, entre concursados, comissionados e contratados, orçada em cerca de R$ 9,9 milhões anual. Além dos encargos e impostos sobre serviços, a vencedora terá um lucro em cima do valor total da mão de obra fornecida que, no edital, não pode ser acima de 7%.
A versão final da licitação da Rede Minas , assinada pelo diretor Eduardo Cesar Silva Gomes, foi publicada no portal de compras no dia 26, dois dias antes do pregão, e no Diário Oficial de Minas Gerais, no dia 9 de abril, no setor de editais de licitações, afirmando que seu objetivo era a “contratação de empresa prestadora de serviços técnicos especializados em comunicação de rádio e televisão, prestado por profissional da área”. A publicação e o edital são assinados pela própria Rede Minas, que ainda não informou se a licitação será ou não homologada pela Secretaria de Estado da Educação que, segundo a emissora pública, é a responsável pelo certame. A responsável pelo pregão foi a funcionária da Rede Minas, Isabela Rodrigues Ferreira Conrado.
A Rede Minas nega que a contratação, via empresa interposta, de 85 jornalistas e radialistas, seja uma terceirização da emissora. Veja no final da matéria a íntegra da nota enviada pela Rede Minas para a reportagem dos @jornalistasdeminas.
TERCEIRIZAÇÃO
Para a presidenta do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais (SJPMG), Alessandra Mello, é “óbvio que o que a Rede Minas pretende fazer é terceirização. É só ler o edital para ver que o escopo é o fornecimento de mão de obra para trabalhar dentro da emissora.Tem cargo para almoxarife, operação de transmissão, gestão, maquiagem, figurino. A EMC não está contratando uma empresa para fazer um programa e depois exibí-lo. Ela está contratando para funções operacionais de rádio e TV, muitas delas excluídas do Plano de Cargos e Salários (PCS) da EMC que retirou dos radialistas concursados a possibilidade de ter uma carreira dentro da empresa”, afirma a presidenta. Além disso, destaca, “nos intriga muito o fato de só uma empresa de comunicação ter participado, já que no Estado temos diversas empresas que fornecem mão de obra na área da comunicação e audiovisual para os canais legislativos e dos poderes judiciários e que sempre participam de pregões como esse da Rede Minas”, afirma.
Segundo ela, o SJPMG já comunicou o fato ao Ministério Público do Trabalho e vai acionar o Tribunal de Contas do Estado (TCE) e o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) pedindo que investiguem a licitação, com somente dois lances, de uma mesma empresa, feita pela Rede Minas. O SJPMG também procurou a Assembleia Legislativa, por meio da deputada Bia Cerqueira (PT) e do parlamentar Betão (PT), integrantes das comissões de Administração Pública e do Trabalho, para que eles solicitem informações e façam uma audiência pública para debater a terceirização e o procedimento licitatório. Em 2013, uma ação civil movida pelo MPT e MPMG proibiu a Rede Minas de contratar empresa terceirizada para o fornecimento de mão de obra para a emissora pública.
Para um dos integrantes Fórum Nacional de Democratização da Comunicação em Minas Gerais (FNCD-MG), Aloisio Lopes, que acompanha a situação da EMC, “a licitação realizada pelo governo de Minas está eivada de más intenções, pois não se restringe à produção audiovisual para formação de educadores, mas a terceirização de funções vitais de operação e a transmissão das emissoras”.
“A atividade fim da EMC é a comunicação pública, e isso a torna administrativamente diferente dos canais do legislativo e judiciário, que funcionam como departamentos de órgãos públicos. A meu ver, o Conselho de Administração não deveria autorizar a assinatura desse contrato e definir diretrizes para a parceria com a Secretaria de Educação, para que o aporte de recursos seja para ampliar e valorizar o quadro próprio de pessoal da EMC”, defendeu.
Íntegra da nota da rede Minas :
“Sobre o pregão realizado para a contração de empresa prestadora de serviço técnico operacional e de apoio administrativo em comunicação de rádio e TV para o desenvolvimento de atividades para o projeto SE LIGA NA EDUCAÇÃO temos a esclarecer que:
1 – O órgão solicitante da contratação da empresa é a Secretaria de Estado de Educação. A unidade responsável pelo Termo de Referência da licitação é a Escola de Formação e Desenvolvimento Profissional de Educadores. O objeto é a contratação de empresa prestadora de serviço técnico operacional e de apoio administrativo em comunicação de rádio e TV para o desenvolvimento de atividades para o projeto SE LIGA NA EDUCAÇÃO.
2 – A dotação orçamentária da Secretaria de Estado de Educação para a ação é a 1261.12.368.151.2074.0001.33.90.39.99.10.10. O valor estimado era de 21 milhões. Duas empresas participantes cadastraram propostas, uma foi declarada vencedora. O valor final ficou em 11 milhões e 500 mil reais. Uma economia de 9 milhões e 500 mil reais para o Estado.
3 – A parceria com a Fundação TV Minas se deu por meio da Resolução Conjunta FTVM/SEE/EMC 02/2022. Essa Resolução estabeleceu a cooperação técnica da Fundação TV Minas/Empresa Mineira de Comunicação de apoio à contratação da Secretaria de Estado de Educação. Pela expertise e conhecimento da contratação realizada, o pregoeiro designado para atuar na licitação foi da Fundação TV Minas. Já o processo de responsabilidade de homologação é da Secretaria de Estado de Educação.
4 – A licitação foi publicada no Diário do Executivo, na parte de Editais e Avisos, no dia 09 de abril de 2022. Como a abertura foi dia 28 de abril, o prazo legal foi cumprido.
5 – Sobre a comparação com um pregão parecido, realizado pelo TJMG, no mesmo dia, desconhecemos as bases de contratação do TJMG para qualquer comparação.
6 – Inexiste qualquer processo de terceirização de mão de obra na Fundação TV Minas/ Empresa Mineira de Comunicação.”.