Nesse mês de agosto, marcado pelo combate à violência contra mulher, o Sindicato dos Jornalistas de Minas Gerais (SJPMG) lançou um conjunto de ações para chamar a atenção da categoria para o tema e apontar caminhos para uma cobertura jornalística responsável e humanizada.
O Brasil ocupa o 5º lugar no ranking dos países com mais mortes violentas de mulheres, segundo um levantamento do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH). Não é por menos que o tema é abordado com frequência pela imprensa nacional, ainda mais após sanção da Lei Maria da Penha, em 2006.
E foi na semana marcada pelas comemorações dos 15 anos da Lei Maria da Penha que o Sindicato abriu espaço para a jornalista Lyvia Prais, 27 anos, falar sobre agressões que ela relata ter sofrido de 2013 a 2015, cometidas pelo seu ex-companheiro e dirigente do Partido dos Trabalhadores (PT), Miguel Ângelo, 29 anos.
No seu corajoso relato, Prais ressaltou as sequelas da violência então sofrida e o medo de denunciar: “Por que não denunciei? Eu tinha vergonha e também porque precisava acabar minha faculdade e queria manter meu emprego. Não admitia voltar para o interior sem diploma, sem emprego e violentada. Eu queria minha independência”, contou a jornalista.
Procurado à época pelo sindicato, Miguel Ângelo disse que mandaria um posicionamento, o que não aconteceu. Também procurado, o PT mineiro disse que “sempre tratou com rigor, transparência e justiça qualquer denúncia formalmente apresentada contra qualquer filiado ou filiado. Caso seja notificado na instância devida agirá como sempre agiu”. Após divulgação no site do Sindicato, o caso repercutiu na imprensa, noticiado por emissoras de televisão e jornais, e agora está em âmbito judicial.
Confira o alerta da jornalista Lyvia Prais sobre o tema:
“Sempre que uma mulher denuncia um crime de violência doméstica, volta à tona a necessidade de falar sobre isso. Vítimas sobreviventes dessa violência sofrem pela sombria lembrança do que foi vivido e pelo arrependimento e lamentação por não ter denunciado no passado”, explica a presidenta do Sindicato, Alessandra Mello.
É possível contar histórias de mulheres vítimas de violência doméstica, inclusive feminicídio, de maneira justa, sem culpabilizar ou responsabilizar as mulheres pela violência sofrida.
Fugir do estereótipo sexista, que permeia diferentes setores da sociedade e transforma vítimas em ré, é fundamental para o exercício de um jornalismo mais ético, sensível e responsável.
Com o objetivo de contribuir efetivamente para o combate à violência contra a mulher, o Universa, site do portal Universo On-line – UOL especializado no mundo feminino, lançou o “Manual Universa para Jornalistas: Boas Práticas na Cobertura da Violência Contra a Mulher”.
O documento veio para tentar minimizar as dúvidas de jornalistas que provavelmente encaram os mesmos dilemas ao cobrir o tema.
Confira alguns tópicos abaixo:
VÁ ALÉM DA OCORRÊNCIA – Priorize casos em que seja possível ir além do boletim de ocorrência ou de uma denúncia do Ministério Público. Não haja com a intenção de engrossar um número, e sim humanizar, causar empatia, aproximar a história do leitor.
ELEJA HISTÓRIAS EMBLEMÁTICAS – Todos os dias, centenas de mulheres são agredidas, estupradas ou mortas. Na impossibilidade de se cobrir todos os casos, a pauta deve buscar histórias representativas, que ilustrem a realidade de muitas mulheres.
MOSTRE CASOS DE MULHERES NEGRAS – Para cada mulher branca vítima de feminicídio, três mulheres negras são mortas. A taxa de homicídios de mulheres brancas caiu 11,7%, enquanto das mulheres negras subiu 12,4%, nos últimos 10 anos.
EMPATIA AO ABORDAR A VÍTIMA – Ao entrar em contato com uma mulher em situação de violência, entenda que ela já está machucada, com medo e, provavelmente, cansada. Procure ouvir a história na totalidade, dando espaço para que ela conte como era a vida dela antes do episódio de violência. Prefira termos mais sensíveis, como “ouvir sua história”.
RESPEITE A DOR DOS FAMILIARES – O processo de luto é doloroso. Em casos de feminicídio, recorra, primeiramente, a amigos e familiares mais distantes da vítima. Ao abordar parentes próximos, evite fazer com que o entrevistado reviva a dor do crime.
OUÇA O ADVOGADO DA VÍTIMA – Durante a apuração, procure entender os próximos passos que serão tomados para garantir o andamento do processo. Reserve ao profissional perguntas mais técnicas. E atenção ao vocabulário: o “advogado da vítima” e não “a defesa da vítima”, já que a mulher agredida não cometeu nenhum crime.
BUSQUE FONTES QUALIFICADAS – É importante ir além das fontes da segurança pública, como delegados e policiais, que nem sempre têm a sensibilidade necessária para contextualizar o crime. Busque pesquisadores de questões de gênero, núcleos de violência contra a mulher, advogadas especialistas, pessoas que trabalham em centros de referência de atenção à vítima e ativistas de movimentos sociais, que possam explicar números, apresentar novos enfoques e fazer análises com uma linguagem fácil e direta.
HUMANIZE A HISTÓRIA – A mulher em situação de violência não se define somente pelo crime que viveu. Tente mostrar quem ela é ou foi, qual era a sua rotina, seus medos, seus desejos e os planos que foram interrompidos por aquele episódio.
AMPLIFIQUE O CASO – Há crimes de estupro ou de feminicídio cometidos por pessoas desconhecidas. Mas na maioria dos casos, o agressor é conhecido e a vítima enfrentou um longo processo de abusos e violência até registrar a denúncia ou sofrer um ataque à sua vida. Ouça sua história e mostre para os leitores como funciona o ciclo da violência.
NÃO AJUDE A CULPAR A VÍTIMA – Não dê informações da rotina da mulher que possam ser interpretadas como facilitadoras da violência. Dizer que a vítima de estupro “publicava muitas fotos em baladas” não tem relevância para a reportagem e ajuda a construir um estereótipo de uma mulher “moralmente condenável”. Prefira elementos que ajudem a construir a narrativa do fato e que tenham ligação direta com ele.
NÃO JUSTIFIQUE O AGRESSOR – É fundamental buscar contato com a defesa do acusado. Apresente de forma sucinta a versão dada pela vítima, explique como está sendo conduzido o caso de forma jurídica e escute a versão dele sobre os fatos. O acusado pode negar a acusação. Fique atento, no entanto, com aspas machistas que, descontextualizadas, possam culpabilizar a vítima.
EVITE O TOM POLICIAL – Mais do que relatar um crime, procure sensibilizar a sociedade para o problema da violência contra as mulheres. Cuide para que a reportagem não seja uma narrativa que explore uma “história de amor” com final trágico, nem seja um relato frio de um crime, sem que se mostre as vidas e as histórias por trás dele.
Você sabia? Dia 25/8 é para se vestir de laranja!
#DiaLaranja pelo Fim da Violência contra as Mulheres e Meninas – Celebrado a cada dia 25 do mês, o Dia Laranja Pelo Fim da Violência contra as Mulheres e Meninas alerta para a importância da prevenção e da resposta à violência de gênero. Sendo uma cor vibrante e otimista, o laranja representa um futuro livre de violência, convocando à mobilização todos os meses do ano, culminando no 25 de Novembro, Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres.
O Dia Laranja faz parte da campanha da ONU Mulheres “UNA-SE Pelo Fim da Violência contra as Mulheres”, lançada, em 2008, com o objetivo de dar visibilidade e aumentar a vontade política e os recursos destinados a prevenir e responder à violência de gênero.
[25/8/2021]