O livre exercício do jornalismo no Brasil sofre constrangimentos crescentes a cada dia. Relatos de inquéritos policiais abertos com o claro objetivo de cercear a liberdade de crítica fazem parte do noticiário cotidiano, mas nem por isso podem ser naturalizados. Ao contrário, quando a tentativa de cercear a liberdade de expressão aumenta é que cabe à sociedade civil se organizar para garantir seu direito de crítica.
Por isso, a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) ajuizou no Supremo Tribunal Federal (STF) ação em que pede que os ministros assegurem aos jornalistas o direito de não responder a ações penais por calúnia ou por difamação pelo simples fato de exercerem com destemor seus ofícios.
A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) proposta pela Associação tem como intenção garantir a plena observância da liberdade de expressão, do direito à informação e, por consequência, a integridade do regime republicano e democrático do Estado brasileiro.
Má intenção – A ADPF se ocupa especificamente dos problemas associados ao impacto das normas que tipificam crimes contra a honra sobre o exercício da liberdade de expressão. O objetivo da ação é o de que jornalistas só respondam a ações penais de calúnia e de difamação em casos claros de fabricação de informações ou propagação sistemática de notícias falsas.
Para isso, a ABI requer à Suprema Corte que faça interpretação conforme a Constituição de artigos do Código Penal e do Código Eleitoral que definem os crimes de calúnia e de difamação. E também que os ministros declarem a não-recepção, pela Constituição, de outro conjunto de dispositivo dos mesmos códigos e de outros diplomas legais, como Código Penal Militar, que já foram e ainda podem ser usados para perseguir jornalistas.
Pode-se argumentar que as normas vigoram desde antes da Constituição Federal de 1988 e nunca impediram o exercício da liberdade de expressão no Brasil. A objeção, porém, observa a ABI, desconsidera as mudanças por que passaram as empresas jornalísticas e as formas de comunicação no Brasil.
Perseguição – Até há pouco, a atividade jornalística era exercida basicamente por meio de grandes empresas, com capacidade de arcar com os altos custos de defesa de seus jornalistas em casos de processos judiciais. Hoje, porém, a internet deu lugar a uma explosão de sites, blogs e portais nos quais se pratica jornalismo profissional de qualidade inquestionável.
Essa democratização, segundo a ABI, transformou a comunicação e tornou impossível a aplicação dos mesmos parâmetros que o direito havia concebido para a comunicação impressa e para a radiodifusão tradicionais. Os pequenos órgãos de imprensa e jornalistas independentes que atuam em ambiente digital dificilmente podem fazer frente ao assédio sofrido por meio do ajuizamento de ações e da instauração de inquéritos policiais.
A perspectiva de responderem a processos e de terem que se defender em inquéritos pode efetivamente dissuadi-los de publicar matérias que contrariem os interesses de pessoas públicas, dotadas de grande poder político e social. A hipótese é de impacto desproporcional.
É essa a realidade, aliás, que, segundo a ABI bate à porta do jornalismo. Basta anotar que desde o início do atual governo, o Ministério da Justiça e da Segurança Pública vem requisitando a abertura de inquéritos policiais para apurar publicações de jornalistas e outras manifestações públicas críticas.
Inquéritos – Em 2019 e 2020, já foram abertos 77 inquéritos, muitos com base na Lei de Segurança Nacional, mas muitos também com fundamento nos artigos 138 a 145 do Código Penal. Importante deixar claro, segundo a entidade, que direitos da personalidade jamais ficarão carentes de proteção com a recepção dos argumentos da ADPF da ABI. O ordenamento jurídico prevê a possibilidade de condenação, nos casos cabíveis, a reparação por danos e garante o exercício de direito de resposta.
O que se busca com a ação é, segundo a ABI, evitar que dispositivos oriundos de períodos de exceção sejam cada vez mais usados, como estão sendo para servir de fundamento para a prática de atos lesivos aos preceitos fundamentais da liberdade de informação jornalística, da liberdade de expressão e da democracia.