Let’s Twist Again, por Mistes Helena Scalioni

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Quando ela abriu o vídeo que um amigo postou num dos muitos grupos onde hoje as pessoas costumam se encontrar para desanuviar esses tempos de sombra e peste, fez isso num gesto quase automático e sem expectativa nenhuma.

A princípio, pensou que não era nada de interessante, mesmo quando alguém, vestido de palhaço, aparece dançando ao som de “Let’s Twist Again”. Talvez pela música, que de tão familiar criava uma onda gostosa de boa saudade na cabeça, ela não desligou.

Devagar, descobriu que aquele palhaço vinha dançando num corredor com gestos largos e que se tratava de um hospital. Aquele ambiente, junto com o som daquela antiga canção de Chubby Checker despertou alguma coisa estranha na alma ainda convalescente daquela mulher que, nos últimos meses, andara doente.

Em segundos, parece ter sido fisgada por aquele convite para dançar de novo o twist e percebeu que seus olhos estavam marejados. Despistou, fingiu, tossiu forçado, piscou comprido. E continuou assistindo.

De requebro em requebro, o artista, com uma máscara cobrindo parte do rosto, invade os quartos. E é nesse momento, agora chorando copiosamente, que ela percebe que aquele palhaço faz levantar pessoas da cama, algumas arriscando passos enquanto seguram firme os frascos de soro. Quase um milagre.

“Let’s Twist Again.” A essa altura, ela, que mais parecia uma doida, já andava pela casa cantando, chorando e dançando, da cozinha para a sala, do banheiro para o quarto, o celular na mão acompanhando o movimento de homens e mulheres em suas cadeiras de roda erguendo e balançando mãos e braços num estranho e vívido rock balé. Aos doentes, aos poucos, juntaram-se enfermeiros, médicos, faxineiras.

Sem saber se cantava, dançava ou chorava, aquela mulher conscientemente madura ria a cada sorriso despertado nos pacientes daquele hospital, acompanhando a força transformadora da música. Tudo tão fácil, tão natural. Afinal, era um simples convite: “come in let’s twist again”.

Quando a canção acabou, ela parou de chorar e viu que estava com muita inveja daquele palhaço.

 

[9/12/20]

 

3 COMMENTS

  1. O texto da Mirtes é sempre preciso e precioso. Ela faz o que quer com as palavras. Aqui, as palavras ganham ritmo e poder-dançam twist e transformam dor e tensão, em movimento e alegria. “Come in l’est twist again.

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