Por Kris Schornobay / HojeMais
“Um dia os trabalhadores vão ter que decidir entre todos os direitos e desemprego ou menos direitos e emprego”. A frase proferida pelo Presidente Jair Bolsonaro (sem partido), durante a campanha presidencial, resumia um desejo do mercado: baratear os custos dos encargos trabalhistas para as empresas. Os direitos diminuíram, mas a geração de empregos prometida com a reforma, entretanto, não se concretizou.
A Reforma Trabalhista, aprovada pelo governo Michel Temer (MDB), está prestes a completar dois anos de aplicação, mas não resolveu o problema do desemprego no Brasil.
Aprovada em 2017, com a promessa de que iria criar empregos e aquecer o mercado, a Reforma acabou marcando o início de uma era de precarização do trabalho. Muito antes da pandemia os números já eram desanimadores ao trabalhador. Em julho de 2018 a taxa de desemprego oscilou de 12,2% para 12,4% e a percentagem de pessoas desalentadas – aquelas que desistiram de procurar emprego – pulou de 3,9% para 4,3%, segundo dados do IBGE.
Um ano depois, a situação não era melhor, em julho de 2019, o desemprego no Brasil chegou a 12,6 milhões de trabalhadores. Além disso, foram identificados 4,8 milhões de desalentados. Com a pandemia esses números aumentaram ainda mais, chegando a 14 milhões de desempregados
Com menos direitos trabalhistas, menos fiscalização – Bolsonaro extinguiu o Ministério do Trabalho – e mais “flexibilidade” nas relações empregado-empregador, aumentaram a rotatividade e a precarização do trabalho em empresas de terceirização.
Não são raras as histórias de profissionais que foram empurrados para a “pejotização”: termo usado para quem foi obrigado a constituir pessoa jurídica para se manter no mercado. Isso desincumbiu as empresas de despesas trabalhistas e previdenciárias.
O filósofo André Carone, 49, foi tradutor de noticiário internacional durante 3 anos e 8 meses, no portal UOL. Ele fazia plantões porque as matérias tinham urgência e eram recebidas de acordo com o fuso horários de outros países e eram publicadas em português, cerca de uma hora depois. Ele trabalhava todos os dias, incluindo sábados e domingos. Nunca teve carteira assinada, férias ou direitos trabalhistas.
“Ainda fui obrigado a abrir uma microempresa de tradução para receber pelos serviços como pessoa jurídica, a exemplo do que já fazia muito jornalista da empresa”, explicou o profissional.
Pandemia
Em setembro, seis meses depois do início do isolamento social, o Brasil bateu recorde de desemprego: 3,4 milhões de pessoas perderam suas colocações no mercado de trabalho desde maio. Uma taxa de desemprego que alcançou 14% da população economicamente ativa.
Diante dessa realidade, houve queda na qualidade de vida dos que perderam o emprego, assim como dos que mantiveram empregos às custas de redução de salários e de jornada de trabalho, de acordo com o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, do Governo Federal.
A medida autorizou, entre outros fatores, a redução proporcional de salário e jornada de trabalho do empregado, bem como a suspensão do contrato de trabalho, mediante acordo entre empregador e empregado, sem a intervenção do sindicato representante da categoria.
Inicialmente, as medidas foram criticadas por alguns especialistas, principalmente no que diz respeito a possíveis inconstitucionalidades, conforme explica o advogado trabalhista Fernando Augusto Oliveira do Monte.
“É importante destacar que a redução do salário e jornada ou a suspensão do contrato de trabalho devem ser formalizadas por acordo, o que pressupõe a aceitação pelo empregado. Ou seja, o empregado deve aceitar as medidas e pode, sim, se recusar a realizar o acordo. No dia a dia, essa relação é mais verticalizada, já que a não aceitação por parte do empregado pode acarretar sua dispensa sem justa causa. Por outro lado, caso o empregado seja ameaçado ou coagido a firmar o acordo de redução e suspensão do contrato de trabalho ou tenha aderido de forma não espontânea, é possível questionar a validade do acordo na justiça, em razão do vício de consentimento”, destacou.
Foi o que aconteceu na RIC TV – empresa de comunicação do Grupo Record em Maringá -, onde os funcionários aceitaram assinar o contrato emergencial por 3 meses. A empresa tentou prorrogar esse prazo até dezembro, mas alguns funcionários se recusaram a assinar e denunciaram a emissora por ameaça de demissão e assédio dos empregadores.
Um deles, que não quer se identificar, contou que houve tanta sobrecarga de trabalho que era impossível continuar com o contrato.
“Eu achei que ia enlouquecer. As cobranças vinham mas sem as condições necessárias para que todos pudessem desempenhar as funções. Era desumano, mais trabalho, em menor tempo e com salários menores, além de uma antiga política de corte nas horas-extras para impor o banco de horas”, enfatizou.
Entre os pontos que geraram mais reclamação entre os jornalistas, além do acordo individual, é a renovação automática para o período de seis meses e a obrigatoriedade do jornalista ficar à disposição da empresa em qualquer horário.
Do Monte alerta que em situação de ameaças ou assédio é importante que o trabalhador tenha testemunhas ou registros do abuso para que seus direitos possam ser cobrados com mais eficiência.
“É ônus do empregado provar o vício de consentimento alegado. Na prática, todos os meios de prova legalmente aceitos são admitidos, por exemplo, testemunhas, gravações de áudio e conversa em que o trabalhador é um dos interlocutores, dentre outros.”
Das emissoras às faculdades
Em uma reunião com o departamento de Recursos Humanos da RIC TV, na quarta-feira 4/11, o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Norte do Paraná conseguiu a suspensão do acordo individual de banco de horas proposto pela RIC em Londrina e Maringá.
A emissora tinha dado o prazo de uma semana para que os profissionais assinassem, sem informar o que poderia acontecer caso não concordassem com o acordo e não assinassem. Assim, os jornalistas se sentiram coagidos e buscaram a entidade.
Em nota, o sindicato disse que “é contra acordos individuais, pois acredita que isso inviabiliza a possibilidade de negociação entre as partes”. O prazo, que venceria nesta quinta-feira 5/11, foi suspenso para esta sexta-feira 6/11, tempo limite de resposta se haverá negociação de acordo coletivo.
A emissora foi consultada pela redação do HojeMais Maringá, mas não se manifestou até o fechamento desta reportagem.
Uma faculdade particular de Maringá é outro exemplo de coação a funcionários. Professores relataram que também foram ameaçados pela instituição de ensino e os profissionais que se recusaram a assumir as condições de trabalho à distância foram demitidos.
“A carga de trabalho triplicou, os salários, que já eram baixos – R$ 27 a hora-aula, não foram reduzidos. Mas as mensagens diárias no celular, incluindo os finais de semana, eram sempre de cobrança por mais desempenho. Sem nenhum suporte tecnológico, treinamento ou apoio por parte da direção”, explicou um professor que também não quis se identificar.
Redução ou demissão
Algumas empresas que não prorrogaram os contratos emergenciais de trabalho optaram em demitir funcionários. Esse é o caso, por exemplo, da RPC TV, do Grpcom (Grupo Paranaense de Comunicação), que desligou 10 jornalistas de uma só vez, em Curitiba, Maringá, Cascavel e Paranavaí.
Os sindicatos dos Jornalistas Profissionais do Paraná (SindijorPR) e do Norte do Paraná (Sindijor Norte PR) e a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), em nota, lamentaram as demissões, registradas em plena pandemia, logo após o fim da estabilidade que é prevista em acordos para redução de salários e jornadas.
De acordo com a empresa, “a situação econômica do país exigiu medidas extremas para se adaptar à nova realidade”.
*Kris Schornobay é diretora do Sindijor Norte PR. Integra uma equipe que decidiu fazer jornalismo independente por meio do HojeMais Maringá.
(Publicado HojeMais. Imagem: fila de desempregados no Anhangabaú, em São Paulo. Foto: Vanessa Nicolav / BdF.)
[9/11/20]