Emissoras de televisão educativas de Minas Gerais lideradas pela Associação Mineira de Rádio e Televisão (Amirt) estão migrando da Rede Minas para a TV Cultura de São Paulo. Uma carta de intenção prevendo a afiliação das emissoras mineiras à rede pública de televisão paulista foi assinada pela Amirt com o governo de São Paulo no dia 22/10 em solenidade realizada no Palácio dos Bandeirantes com presença do governador João Dória (fotos).
A migração reflete as dificuldades de relacionamento das emissoras com o governo mineiro e o não atendimento às suas demandas, inclusive a de formar uma rede de televisão pública de âmbito estadual forte, com participação das emissoras locais. Ao mesmo tempo, o governo paulista demonstrou grande interesse pelas novas afiliadas em Minas Gerais. Exemplo disso foi a solenidade do dia 22/10, que teve ampla divulgação.
“Tivemos muita receptividade na TV Cultura. Na Rede Minas, a gente parece ET”, comparou Marco Gudes, diretor operacional da TV Poços, de Poços de Caldas, a primeira emissora a assinar o contrato de filiação à TV Cultura. Ele revelou que a televisão pública paulista já manifestou interesse em participar de dois projetos da TV Poços.
O contrato é de dois anos, com renovação por mais dois. Outras 13 emissoras já estão em fase de documentação para assinatura do contrato; pelo menos uma delas, a TV Sul, de Guaxupé, já anunciou no seu portal: “TV Sul agora é TV Cultura”.
A TV Cultura é reconhecida como rede nacional pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) desde setembro de 2016. A página da emissora pública paulista informa que seu sinal chega a 150 milhões de pessoas em canal aberto, por meio de 135 afiliadas e retransmissoras, nos 26 estados e no Distrito Federal, em mais de 2.220 municípios.
Em Minas, já existiam emissoras de televisão aberta filiadas à TV Cultura em 23 municípios e mais 22 de televisão a cabo. As 14 televisões educativas mineiras somarão ao público da TV Cultura mais 7 milhões de telespectadores, segundo dados da Amirt.
O presidente da Amirt, Luciano Pimenta, afirmou ao SJPMG que atendeu a uma demanda insistente e antiga das emissoras. Explicou que não houve rompimento de contrato, porque as emissoras educativas não têm contrato com a Rede Minas. Disse também que o contrato com a TV Cultura não é de exclusividade, nem de transmissão simultânea, exceto dos telejornais, e que e as emissoras continuarão exibindo programas da emissora pública mineira.
Pesaram na decisão, segundo Luciano Pimenta, a tentativa frustrada de obter financiamento do BDMG para digitalização das emissoras e o fim do desconto de 50% que a estatal mineira dava às emissoras nas contas de energia em troca de divulgação de campanhas institucionais. Além disso, as emissoras educativas mineiras são impedidas por lei de receber verbas publicitárias do governo estadual.
Rádios e televisões têm prazo de mais dois anos para fazer a digitalização, que melhora a qualidade da transmissão, possibilita que sejam acessadas em celular e libera canais de FM. A mudança não é barata — para a emissora de Luciano Pimenta, a TV Onda Sul, de Carmo do Rio Claro, o custo dos equipamentos de transmissão fica em R$ 250 a R$ 300 mil.
A TV Poços fez a digitalização em 2015, com recursos próprios, segundo Marco Guedes. Ele calcula que, hoje, ela custaria cem torno de R$ 500 mil. A principal vantagem, segundo ele, é a qualidade da imagem, uma evolução equivalente à mudança da TV em preto e branco para a TV colorida.
A Amirt pleiteia uma linha de crédito do BDMG, mas o estatuto do banco público mineiro não permite empréstimos a empresas de comunicação. “São Paulo não tem banco de desenvolvimento, mas o governo Dória fez um programa para atender a todas as empresas de comunicação”, comparou Pimenta.
As 14 televisões educativas são principalmente da região Sul, de municípios próximos de São Paulo: TV Andradas, de Andradas; TV Sudoeste, de São Sebastião do Paraíso; TV Passos, de Passos; TV Objetiva, de Paraguaçu, além das três emissoras já citadas.
Mas há também televisões educativas das regiões do Alto Paranaíba (NTV, de Patos de Minas, e TV Sintonia, de Araxá), Paracatu (TV Rio Preto, de Unaí), Zona Metalúrgica (TV Integração, de Pará de Minas, TV Candidés, de Divinópolis, e TV Centrominas, de Sete Lagoas) e até da Região Metropolitana de Belo Horizonte (TV Vespasiano, de Vespasiano).
A diretora de Jornalismo da NTV, Ludmila Bahia Franco, disse que não tem problemas com a Rede Minas, ao contrário, mas falta diálogo e apoio do governo de Minas. “O problema é de gestão”, disse, citando como exemplo as teleaulas da Secretaria de Educação durante a pandemia. “Sequer fomos consultados.” Ela disse que a mudança será uma grande perda para os mineiros.
Minirrede do interior
Marco Guedes, da TV Poços, disse que a principal vantagem da migração das televisões educativas mineiras para a TV Cultura é a “bandeira” da emissora pública paulista, que facilita a comercialização de publicidade. “A TV Cultura é conhecida no mundo inteiro, a Rede Minas ninguém conhece”, disse, explicando que constatou isso produzindo o programa Especial Turismo, da TV Poços, que já viajou o mundo, bancado por patrocínios.
Ele contou que a migração é o desfecho de mais de seis meses de discussões das televisões educativas. Um estudo apontou para a formação de uma minirrede de televisões do interior de Minas, com troca conteúdos entre elas e planos de produção de um telejornal comum a todas, com transmissão simultânea. Para isso, era preciso ter uma cabeça de rede, e a melhor opção para a essa função era a emissora pública paulista.
Isso implica, por exemplo, na transmissão do Jornal da Cultura, que vai ao ar de segunda a sábado, às 21h15. Segundo Guedes, não há problema em ter uma emissora paulista como cabeça de rede em Minas, porque a TV Cultura tem uma programação com características nacionais. A Rede Minas, ao contrário, segundo ele, é uma emissora de Belo Horizonte, que só fala da capital.
A Amirt tem quase 400 filadas, entre rádios e televisões. Destas, 23 são televisões educativas e atingem público de 11 milhões de pessoas. Segundo Luciano Pimenta, o setor foi muito afetado pela pandemia e está em busca de novos horizontes, porque as condições para seu funcionamento em Minas são muito limitadas. “O governo do estado não pode anunciar, o BDMG não pode emprestar para veículos de comunicação e a Cemig cortou o desconto que dava nas contas de energia”, argumentou.
Ele disse que nesse quadro de insatisfação, a filiação à TV Cultura surgiu como “um luz”. Ressaltou, porém, que as televisões educativas não estão fechando a porta para a Rede Minas, só “adicionando” a emissora pública paulista. O diretor da TV Poços informou que pretende negociar com a Rede Minas um contrato de troca de conteúdos.
Pimenta negou também que a migração seja uma retaliação ao governo mineiro. “É uma questão de sobrevivência. A Rede Minas tem boas intenções, mas não tem recursos”, lamentou. Mayrinck Pinto de Aguiar Júnior, vice-presidente da Amirt e diretor da TV Candidés, uma das novas afiliadas da TV Cultura, disse que a situação das televisões educativas mineiras é tão difícil que três já entregaram suas concessões, em Muriaé, Lavras e Curvelo. Ele afirmou que sua emissora tem três objetivos, hoje: “O primeiro é sobreviver, o segundo é não quebrar, o terceiro é juntar os cacos e seguir”.
Luciano Pimenta afirmou que o programa de teleaulas da Secretaria de Estado da Educação para as escolas públicas durante a pandemia, “Se Liga, Educação”, vai continuar sendo transmitido pelas educativas. Guedes confirmou a exibição do programa até o fim do ano, no horário de 14h às 17h. Até as 14h, a programação da TV Poços é local; a programação da TV Cultura ocupará principalmente horários noturnos e dos fins de semana. Além do Jornal da Cultura, às 21h15, a televisão educativa de Poços de Caldas passará a transmitir ao vivo o programa de entrevistas Roda Vida, na segunda-feira, às 22h, e o programa cultural Metrópolis, entre outros.
Tanto Pimenta, quanto Guedes concordam quanto aos interesses políticos do governador João Dória, provável candidato a presidente em 2022 pelo PSDB, de ocupar espaço em Minas Gerais, por meio da emissora pública paulista. “Indiretamente, a programação da TV Cultura já divulga o governo paulista”, observou Guedes. Eles afirmaram que, enquanto muitas emissoras de televisão públicas atravessam dificuldades e a Rede Minas está “capenga”, para a TV Cultura não falta dinheiro.
Rede Minas e governo
O presidente da Rede Minas, Sérgio Rodrigo Reis, no cargo desde junho passado, disse que sempre manteve relação cordial com as televisões educativas, que está conversando com todas elas e que ficou surpreso com o anúncio da migração. Afirmou que a emissora refez a sua grade de programação com o melhor das emissoras públicas do país e que a produção local também está sendo enriquecida de um ano para cá.
“Temos uma grade qualificada e diversificada. Atualmente, 16 programas da Rede Minas são exibidos nacionalmente e vários projetos voltados para o audiovisual mineiro estão em andamento. Muita coisa boa vai ser produzida. Não entendo como uma grade dessa qualidade pode não interessar”, disse Sérgio Reis. “Quem saiu da Rede Minas se arrependeu e voltou”, acrescentou.
O SJPMG tentou entrevistar outros representantes do governo de Minas sobre o assunto, mas não conseguiu. O Núcleo de Atendimento à Imprensa da Segov enviou por e-mail a seguinte resposta:
“O Governo do Estado apoia a promoção de uma programação de interesse público, com foco em conteúdo cultural e educativo. No entanto, respeita a liberdade de escolha das emissoras. Em relação à destinação de verbas aos veículos de comunicação, o Estado segue critérios técnicos”.
Sobre o financiamento para empresas de rádio e televisão, a Assessoria de Imprensa do BDMG enviou a seguinte resposta:
“O BDMG informa que deu início a um diálogo institucional com a Amirt e a um estudo de viabilidade para o setor, de forma a compatibilizar esta demanda com o modelo de análise estabelecido pelas políticas operacionais do banco”.
Da Assessoria de Imprensa da Cemig, o SJPMG recebeu a seguinte resposta:
“A Cemig encerrou o contrato por questões técnicas de entrega de audiência das emissoras e pelo cenário de restrição financeira”.
(Fotos: governo de São Paulo e Amirt.)
[28/10/20]
Isso aí é resultado de uma programação precária centralizada em BH, mal feita e com poucos recursos técnicos e profissionais de maior gabarito. Estava para acontecer há muito tempo, desde que foi instrumentalizada pelo governo petista de Fernando Pimentel. O mesmo acontece no caso dos jornais impressos, igualmente precários em relação ao conteúdo que se produz em especial no eixo Rio-São Paulo embora nossos coleguinhas achem que estão com o rei na barriga. Foi por causa disso que o Estado de Minas chegou ao fim.