Um dia de foca, por Dalila Abelha

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A pauta era cobrir uma excursão da terceira idade em Sabará, promovida pelo Sesc. Eu era revisora, lutando desesperadamente para ascender à função repórter.

Aquela viria a ser minha primeira experiência, o teste. Deveria estar na estação ferroviária antes das 7h. Confesso, nem dormi, tal o medo de perder a hora.

A Globo também pautara a excursão, mas apenas a saída do grupo. Vânia Turce, a quem conhecia apenas pela TV, lá estava. E perguntou se eu também iria. Pensei: “Será que aparento mais de 32 anos e ela acredita que sou parte do grupo?”. Senti-me desconfortável.

O trem partiu levando o grupo, que fazia algazarra. Parecia-me que faziam grande esforço para parecerem alegres. Quando mais jovens, costumamos atrelar alegria e prazer à juventude.

Chegando ao destino, os excursionistas foram se acomodando no chão, barrancos e logo retiravam de sacos de papel e velhas sacolas seus lanches.

Foi aí que me dei conta de que eu não tinha o que comer e ali teria que ficar até as 16h. Desesperei-me.

Não havia me lembrado de levar meus cigarros também para aplacar a fome. Na verdade, não tive dinheiro para comprá-los. Ocorreu-me ainda pensar em como eu voltaria à redação.

Fui tomada de grande ansiedade. Mas, ainda assim, era preciso trabalhar, entrevistar as pessoas. Ouvi relatos em sua maioria de abandono familiar, de solidão, de dificuldades financeiras, problemas de saúde.

Fui me deixando envolver emocionalmente com as mazelas de cada um. Ao fim, queria fumar, comer algo, fugir daquele mundo de dores e desenganos.

Mas como? Não via outra alternativa senão caminhar até à rodovia e, depois de horas acenando, consegui uma carona.

Passava das 5h quando cheguei à redação, esfomeada, cansada, mas com a sensação de missão cumprida.

Engano meu. Olympio Coutinho, então subeditor, quis saber das fotos. Fotos? “Não foi fotógrafo comigo”, respondi.  Qual motorista trouxe você? Contei que viera de carona.

Só então foi-me explicado que deveria ter solicitado carro, fotógrafo e uma ajudinha para o lanche. E veio, então, a ordem: pegue um carro, um fotógrafo e vai lá refazer o trabalho.

E lá fui, envergonhada, ouvindo gracejos dos colegas e dizendo pra mim mesma: “Ah Deus, vida de foca não é fácil. E não foi daquela vez que consegui realizar o sonho de sair do porão da revisão.

 

[16/10/20]

 

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