A Escola de Dados anunciou durante a Coda.br, realizada no último fim de semana em São Paulo, os vencedores do Prêmio Cláudio Weber Abramo de Jornalismo de Dados. É a primeira premiação do tipo no Brasil e homenageia um dos pioneiros do jornalismo de dados no país, o matemático e jornalista Cláudio Weber Abramo, falecido em 2018.
Na categoria Dados Abertos, a newsletter “Don’t LAI to Me”, da agência Fiquem Sabendo, foi a premiada. O projeto foi lançado em janeiro deste ano e disponibiliza quinzenalmente bases de dados obtidas por meio de pedidos via Lei de Acesso a Informações. De acordo com a decisão do júri, a newsletter “cumpre um papel estrutural na promoção do jornalismo de dados”. Ao receber o prêmio, Luís Fernando Toledo, um dos responsáveis pelo trabalho, convidou os colegas a se juntar à iniciativa: “o jornalismo é forte e a gente vai vencer”.
O Nexo levou o prêmio na categoria Visualização de Dados, com o especial 30 anos: o quanto a Constituição preserva de seu texto original. O conteúdo, reconhecido pelo júri por sua “originalidade, capacidade de síntese e apresentação dos dados”, foi desenvolvido para marcar o 30º aniversário da Constituição Federal e mostra as emendas feitas ao texto até hoje. “No dia-a-dia da redação acabamos não nos dando conta de quanto trabalho colocamos ali. Ficamos muito gratos de conseguir o reconhecimento”, disse Rodolfo Almeida, que realizou o trabalho com Gabriel Zanlorenssi.
O Monitor da Violência, do G1, venceu na categoria Investigação guiada por dados. A iniciativa integra redações de todo o país na tarefa de captar, organizar e analisar dados públicos sobre crimes violentos no Brasil. Definido pelo júri como “um esforço hercúleo”, o projeto envolve ainda parceria com o Núcleo de Estudos da Violência, da USP. Tiago Reis, editor do Monitor, dedicou o prêmio aos 230 jornalistas envolvidos. “Temos o compromisso de continuar acompanhando os casos [de violência], jogar luz sobre eles para continuar a combater essa epidemia de mortes e pressionar o poder público a fazer o mesmo”, declarou Reis.
Por usar a tecnologia para mudar a dinâmica na qual a desinformação circula mais rápido nas redes do que as checagens que a desmentem, o júri premiou a robô Fátima, do Aos Fatos, na categoria Inovação. A ferramenta automatizada mapeia links compartilhados via Twitter com desinformação e dispara um aviso para usuários da rede social que tenham compartilhado aquele conteúdo falso. Tai Nalon, diretora do Aos Fatos, considerou o prêmio uma “validação muito grande”, chamando a atenção para o fato de que o Twitter considera Fátima um potencial produtor de spam, impedindo-a de ganhar mais tração. “As plataformas têm que levar a sério o problema da desinformação. Acreditar que existem robôs do bem, tecnologia do bem e que podem bancar isso de forma eficiente.”
Texto de Cláudio Weber Abramo
A cerimônia de entrega foi conduzida por José Roberto de Toledo, editor do saite da piauí e membro do Conselho da Abraji. A iniciativa conta com o apoio institucional da Abraji.
A viúva de Cláudio Weber Abramo, Cristina Penz, abriu o evento com um texto escrito pelo jornalista um mês antes de sua morte. Ela explicou que não é um trecho sobre jornalismo, não é sobre dados; não é sobre transparência, mas de alguma forma é sobre tudo isso; trata do processo de aprender a compreender as coisas para além da superfície, de enxergar o todo, mas também as partes que o constituem.
“Fiz o ginásio no Colégio Nova Friburgo, da Fundação Getúlio Vargas entre 1957 e 60. Era um internato. O ensino era excelente, tendo me beneficiado a vida inteira. Uma das matérias era o canto orfeônico. O professor – infelizmente, não me recordo de seu nome – tinha de seguir o currículo oficial que incluía solfejo, escalas e outros assuntos tradicionais da matéria. Aos onze anos de idade, aquilo era de doer.
“Acontece que o professor bem sabia disso: ele lidava com esses assuntos bem depressa e depois se dedicava a nos ensinar a ouvir música. Tocava discos de música clássica em um toca-discos e nos chamava a atenção para as passagens, a dinâmica, os instrumentos, as massas sonoras.
“A vasta maioria das pessoas ouve música em bloco. O som da execução entra misturado pelos ouvidos e não é processado pelo cérebro além de uma impressão geral. Quando se pede a alguém: “ouça o fraseado do saxofone”, usualmente não há resposta. O ouvinte não consegue separar instrumentos individuais ou mesmo distinguir entre a flauta e o violino, entre a guitarra e o trompete.
“O que nosso professor nos ensinou foi ouvir música analiticamente, como os profissionais. Ou seja, fazendo o cérebro funcionar como uma mesa de som de múltiplos canais. Esse foi um dos mais importantes ensinamentos de minha vida, pois ouvir música assim se traduz em grande riqueza de percepções. Consegue-se prestar atenção no jogo entre os timbres dos instrumentos, nas entradas e saídas, nos desenhos traçados pelos integrantes individuais do conjunto.”
Cristina disse que aqueles que estão debatendo e praticando um jornalismo de dados que enxerga os integrantes individuais do conjunto, estão levando adiante o propósito do Cláudio. “Ele adoraria estar aqui para dar os parabéns. E, como cidadã, eu agradeço”, encerrou.
Após a cerimônia, José Roberto de Toledo, que trabalhou com Abramo em seu último projeto, o Dados.org, publicou no Twitter: “Tenho certeza que entre críticas pertinentes que certamente faria – porque ele não contemporizava –, Cláudio ficaria feliz com a qualidade dos finalistas [do prêmio]”.
(Informações da Abraji. Crédito da foto: Natália Mazzote.)
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[25/11/19]