Os jornalistas estão em perigo, porque suas matérias estão irritando os poderosos. Vivemos um momento de transformação da profissão, em que há menos empregos e a atividade ficou mais perigosa. Por isso precisamos nos mobilizar, aprender como nos protegermos mutuamente dos ataques e da reestruturação da profissão, e nos unirmos em torno dos sindicatos, pois só vamos sair disso juntos.
Essa análise foi feita pelo jornalista Leonardo Sakamoto em palestra na sexta-feira 14/6, durante a aula inaugural do curso Jornalismo e Democracia: ideias para enfrentar a crise, realizado pelo Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais e destinado a jornalistas e estudantes de jornalismo (foto).
O curso, que tem apoio da UNA e dá direito a certificado, continuou no sábado, 15, com aulas sobre jornalismo investigativo, ministradas pelos jornalistas Alice Maciel e Daniel Camargos, e radiojornalismo, ministradas pelas jornalistas Alessandra Mendes e Lina Rocha. O próximo módulo será no dia 6 de julho, com aulas sobre cobertura política, ministradas por Alessandra Mello e Isabella Souto, e fotojornalismo, por Bárbara Ferreira e Nilmar Lage. Ainda há vagas. A inscrição pode ser feita no curso inteiro ou apenas em um módulo. Clique AQUI para saber mais e se inscrever.
A aula inaugural aconteceu no auditório da UNA, com presença de dezenas de jornalistas e estudantes de jornalismo. Também participaram a presidenta do Sindicato, Alessandra Mello, a coordenadora do curso de jornalismo UNA, Márcia Maria Cruz, e o jornalista João Paulo Cunha, que fez a primeira palestra da noite (clique AQUI para ler matéria sobre a palestra de João Paulo).
Alessandra Mello destacou o fato de o curso começar exatamente na semana em que apareceram os vazamentos da operação Lava Jato. “Tenho certeza de que todos aqui tiveram vontade de estar trabalhando no Intercept, hoje”, disse. “É muito importante refletir sobre o que está acontecendo no Brasil e é significativo que isso seja feito a partir de uma matéria jornalística”, disse.
Ódio aos jornalistas
Um dos blogueiros mais influentes do Brasil, doutor em ciência política pela USP, diretor da ONG Repórter Brasil, jornalista com experiência na cobertura de conflitos armados em diversos países e violações aos direitos humanos no Brasil, Leonardo Sakamoto expressou sua preocupação com o exercício do jornalismo nos dias atuais. Ele centrou sua palestra em dois pontos: o ódio ao jornalista e o jornalista como trabalhador.
“O ódio digital ganhou novo tamanho com a eleição de Bolsonaro”, disse Sakamoto, citando os recentes pedidos em redes sociais de deportação do jornalista americano Glen Greenwald, editor do The Intercept Brasil, que vem publicando os vazamentos da operação Lava Jato.
Ele lembrou casos de assédio do presidente a repórteres, como Constança Resende, do Estadão, e Marina Dias, da Folha, para observar que Bolsonaro se interessa mais por atacar jornalistas do que por governar e aprovar reformas. “Ele continua agindo como se estivesse em campanha eleitoral, para manter seus seguidores excitados”, explicou.
Ressaltou, porém, que o presidente não foi o primeiro político a jogar a população contra jornalistas. “João Dória adotou isso no começo do seu governo”, lembrando que a imprensa noticiou que moradores de rua foram acordados com jatos de água fria, em São Paulo, o então prefeito virou-se contra os jornalistas, dando a senha para seus seguidores os atacassem.
Em relação à Repórter Brasil, Sakamoto revelou que desde sua fundação, em 2001, recebe ameaças, mas que elas eram localizadas. Com a expansão da internet, o número de ameaças também expandiu. “O principal problema da violência contra jornalistas hoje é que ela é difusa, é um ódio difuso”, disse, explicando que faz denúncias, mas elas não dão em nada. “O ideal seria responsabilizar quem incita o ódio e a violência, mas na política isso é muito difícil”, afirmou.
Tortura psicológica
Sakamoto contou que em 2013, quando os ataques digitais a ele aumentaram muito, descobriu que as buscas pelo seu nome no Google levavam a uma matéria que dizia que ele recebia R$ 1 milhão para defender o PT. A notícia estava publicada num saite de fake news e o rastreamento revelou que o anúncio no Google tinha sido pago pela JBS. “Por quê? A Repórter Brasil fazia matérias sobre trabalho escravo”, disse Sakamoto.
O mesmo modus operandi – publicar notícias falsas difamando-os e pagar anúncios no Google para direcionar a busca – vem sendo usado contra vários jornalistas, segundo Sakamoto. “Essa perseguição a jornalistas é semelhante a uma tortura, uma tortura que não é punitiva, mas preventiva”, denunciou Sakamoto. “Muitos jornalistas não suportam e mudam de área.”
Ele disse que os jornalistas não estão preparados para enfrentar a tortura psicológica e que os veículos de comunicação também não estão preparados para defender seus profissionais.
“Os veículos têm estrutura de checagem de fatos, mas não têm estrutura para defender os jornalistas”, disse. “O jornalista está em perigo porque o que está divulgando vai irritar. A gente precisa se unir, com sindicatos e faculdades, e os veículos têm de levar isso a sério. A situação vai piorar”, enfatizou.
Jornalista é trabalhador
Leonardo Sakamoto lembrou que o jornalismo é fruto do liberalismo e que o jornalista é um pilar da democracia, mas não é visto assim pela sociedade brasileira. “O jornalista é visto como alguém que quer destruir”, disse. “E as pessoas encaram as agressões a jornalistas como manifestações de descontentamento.”
Em parte, isso acontece, segundo Sakamoto, porque os brasileiros não têm cultura de debate público. “As pessoas não sabem debater, ficam chateadas quando você discorda delas”, disse, acrescentando que o jornalismo precisa de opiniões divergentes e pluralidade.
Ele também criticou os jornalistas por não se verem como trabalhadores. “Jornalista só lembra que é trabalhador quando é demitido”, disse. “Hoje é dia de greve geral e, desde cedo, você abre os veículos e a principal discussão é o trânsito. Pouquíssimos foram perguntar à população se apoiava a greve, o que achava dela.”
Segundo Sakamoto, isso não acontece só por ordem superior. “O jornalista também é assim, não consegue não pensar com a cabeça do patrão. Jornalista não se vê como trabalhador, acha que pertence à classe do universo que a gente cobre: empresários, políticos. E acaba atacando pessoas que deveria defender”, disse.
Ele enfatizou que, como pilar da democracia, o jornalista tem obrigação de defender os direitos humanos, e que o direito à aposentadoria é um direito humano. “Mas a gente não vê isso. A gente passou pela reforma trabalhista com os jornalistas cobrindo o assunto como se fossem empresários e hoje estamos vendo a mesma cobertura na reforma da previdência”, criticou, acrescentando que, pelo bem do jornalismo, a cobertura da reforma de previdência deveria expressar outros pontos de vista e não só os favoráveis a ela.
Leonardo Sakamoto lamentou o fato de o Brasil não ter ainda conseguido garantir pluralidade de vozes na imprensa e defendeu que o Estado tenha uma política pública para financiar a comunicação. Disse também que os brasileiros absorvem e compartilham informações de forma irresponsável. “Temos uma lacuna de educação para a mídia, para aprender a absorver e compartilhar conteúdos de forma crítica”, disse.
(Crédito da foto: Brenda Marques.)
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[17/6/19]