Depois de sofrer ameaças e ter anunciantes intimidados, Divinews deixa de publicar notícias sobre as eleições

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Os leitores do Divinews, saite de notícias produzido em Divinópolis, município do Centro-Oeste mineiro, leram nesta terça-feira 23/10 um comunicado inusitado: o veículo deixará de publicar notícias sobre o segundo turno das eleições deste ano, especialmente a eleição presidencial, e está removendo todas as matérias “que envolvam o nome de certo candidato”. O motivo da decisão: ameaças recebidas em ligações por celular e intimidação de anunciantes.

O texto do comunicado é o seguinte:

“Por ameaças, Divinews se afasta editorialmente de qualquer notícia que envolva o 2º turno das eleições 2018. Diante de desagradáveis e graves fatos que vêm ocorrendo com ataques e ameaças contra o Divinews, e tudo e qualquer coisa que orbita ao seu redor, que se acentuou com a publicação de um fato ocorrido na UEMG, decidimos que a partir de então, para preservar integridades de um modo geral, não publicaremos nenhum tipo de notícia que envolva o segundo turno das eleições 2018, principalmente a presidencial – Em consequência disto, estamos também retirando todas as matérias que envolvam o nome de certo candidato.”

Em entrevista ao Jornalistas de Minas, o editor do Divinews, Geraldo Passos, reconheceu que a decisão é uma autocensura. “O Brasil não pode voltar no tempo. Sinto muito que o país esteja passando por esse retrocesso. Se a gente tem de calar a boca, imagina como está o eleitor”, disse.

Ele contou que recebeu várias ligações de celular, de números sem identificação. Além de impropérios, o jornalista ouviu coisas como: “É bom você ter cuidado, você tem família”. Os comentários no Divinews passam por moderação, mas a página do veículo no Facebook também registrou inúmeros xingamentos.

Na sequência, o editor recebeu telefonema de um anunciante pedindo pelo amor de Deus para que ele retirasse seus anúncios porque tinha sido ameaçado. Outros fizeram o mesmo. Geraldo atendeu, mas está preocupado que o Divinews se inviabilize economicamente.

No comunicado ao leitor, que pode ser lido clicando aqui, Geraldo reproduziu seis ligações que recebeu entre 21h38 e 21h54 de segunda-feira. Reproduziu também pressões feitas aos anunciantes por WhatsApp e um pedido para retirada dos anúncios.

Intimidações

Uma das mensagens de WhatsApp identificada como “Divinópolis por Bolsonaro. Cleitinho, Daniel, + 55 31 7115-7355”, diz: “Atenção. O site Divinews está a (sic) quase um mês pegando muito pesado com o Bolsonaro, usando de notícias dúbia (sic) para afundar a campanha do Jair. A resposta ser dada (sic) se deixar-mos (sic) de curtir a sua página e reclamar com seus anunciantes que deixaremos de ser clientes por pelo (sic) fato da empresa está.l8gada (sic) a um jornalismo tão baixo quanto o deles. Reclame… Faça sua parte. Segue (sic) abaixo as empresas anunciam (sic) no Divinews.” Os nomes das empresas foram rasurados para que não sejam identificadas.

Um dos anunciantes, também não identificado, enviou por WhatsApp a seguinte mensagem: “Bom dia, amigo. Não posso me envolver em propaganda negativa. Por favor. Tira minha logo até passar essa eleição por favor. Pois tenho clientes no Brasil inteiro. E eles estão pegando pesado com seus anunciantes.”

Divinews é publicado há dez anos. De acordo com Geraldo Passos, é o segundo saite mais acessado na região Centro-Oeste, com média de 400 mil acessos diários. “Temos muitos acessos no exterior, principalmente nos Estados Unidos e em Portugal, além de outras partes do Brasil. Há divinopolitanos em toda parte”, contou o editor.

O saite publica notícias diversificadas de muitos municípios, como Nova Serrana e Formiga, além de Divinópolis, município polo, com 230 mil habitantes. Durante a campanha eleitoral o número de acessos subiu para 500 mil, mas as críticas, principalmente na página no Facebook, também aumentaram. Geraldo, que não esconde defender posições progressistas, e que emite opiniões, além de informações, passou a receber comentários como “esse jornaleco só publica fake news”, feitos sobre matérias reproduzidas de grandes jornais, como a Folha de S.Paulo. A última notícia reproduzida, ontem, foi o editorial do New York Times intitulado “Brazil’s Sad Choice” (Escolha triste do Brasil).

Ofensas na UEMG

Mas a notícia que provocou as ameaças foi outra. Na tarde desta segunda-feira 22/10, o quadro de uma sala do prédio de Exatas no campus da Universidade Estadual de Minas Gerais Unidade Divinópolis ficou repleto de escritos de conteúdo preconceituoso e agressivo, contra mulheres e homofóbico, além da mensagem “Bolsonaro 2018. Ele sim”.

O diretor administrativo da unidade, Tiago Novais, registrou um boletim de ocorrência policial e instaurou sindicância para apurar a autoria das ofensas, que podem resultar em suspensão e até expulsão de alunos. “Isso é crime, a universidade não pode tolerar”, explicou Novais ao Jornalistas de Minas.

Ele se disse muito surpreso. Afirmou que é a primeira vez que um fato dessa gravidade acontece na UEMG Divinópolis, que o ambiente no campus é de tolerância e que os escritos não parecem ser de alunos do curso. “Isso não representa o pensamentos das engenharias”, disse.

A UEMG divulgou a seguinte nota:

“A Diretoria Acadêmica da UEMG Unidade Divinópolis considera que a Universidade é um ambiente plural, onde as pessoas devem conviver respeitando a diversidade, e que os debates devem ser conduzidos no âmbito das ideias. Por isso, repudia qualquer tentativa de disseminação do ódio e de divisão entre os membros da comunidade acadêmica. Sendo assim, os fatos ocorridos nesta segunda-feira, dia 22/10, serão apurados e, quando identificados, os autores serão punidos de acordo com o regimento da UEMG. Diretoria Acadêmica da UEMG Unidade Divinópolis.”

Segundo a presidenta da União dos Estudantes de Divinópolis, Camila Moraes, uma foto do quadro foi espalhada em grupos de WhatsApp e viralizou entre estudantes da UEMG. Um grupo correu para a sala do prédio de Exatas e apagou o conteúdo. Em seguida fez outra foto, com o quadro limpo e a divulgou para os estudantes, condenando as ofensas.

“A gente se surpreendeu porque o movimento estudantil aqui é atuante e está sempre em diálogo com os alunos”, disse Camila. Acrescentou que estudantes com esse perfil não se identificam na universidade.

A UED também divulgou uma nota na qual repudia as ofensas, se solidariza com as mulheres e as minorias e se posiciona na defesa de um Brasil “democrático, soberano, justo e fraterno democracia, para todos e para todas”. A íntegra da nota pode ser lida aqui.

Por publicar a notícia, Geraldo Passos foi ameaçado. O editor do Divinews contou que sua mulher e seus filhos estão assustados e por isso nos próximos dias não dará mais notícias das eleições. “Vou publicar receitas de bolos, coisas assim”, disse, fazendo referência à atitude de grandes jornais brasileiros que, durante a ditadura (64-85), preenchiam com poesias e receitas os espaços deixados pelas notícias censuradas.

 

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[23/10/18]

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