Congresso determina prisão para quem compartilhar ‘fake news’

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Por BIA BARBOSA

“O que é preocupante e perigoso é mirar no elo errado da corrente de propagação de notícias falsas: o cidadão comum, que muitas vezes tem poucas condições e ferramentas para discernir um conteúdo verdadeiro de um intencionalmente manipulado ou calunioso.”

 

Muita gente séria no Congresso Nacional votou a favor e está celebrando a derrubada do veto presidencial a um dispositivo da Lei Eleitoral que prevê pena de dois a oito anos de reclusão para quem, comprovadamente ciente da inocência de um candidato, divulgar uma notícia falsa sobre o mesmo durante as eleições. A derrubada do veto aconteceu na noite de quarta-feira 28/8, em sessão que reuniu deputados e senadores.

Aprovada em maio passado, a medida foi vetada pela Presidência da República, que considerou a pena desproporcional ao ato. Num enfrentamento com o governo – que conta com contumazes disseminadores de fake news – diversos partidos da oposição e também do chamado “centrão” derrubaram o veto, mantendo a pena. Assim, já a partir das eleições do ano que vem, vale o texto integral da Lei 13.834/2019, e qualquer cidadão que compartilhar uma notícia falsa acusando um candidato que seja inocente poderá acabar na cadeia.

Buscar medidas para enfrentar o fenômeno da desinformação é fundamental. Não há dúvidas sobre seu danoso e significativo impacto não apenas nos processos eleitorais, mas também nas mais diferentes áreas da vida em sociedade. O que é preocupante e perigoso é mirar no elo errado da corrente de propagação de notícias falsas: o cidadão comum, que muitas vezes tem poucas condições e ferramentas para discernir um conteúdo verdadeiro de um intencionalmente manipulado ou calunioso. E, pior, mirar no cidadão determinando pena de prisão como punição para esta prática.

A criação de novos tipos penais para enfrentar a desinformação já foi considerada um risco alto para o exercício da liberdade de expressão, na avaliação dos relatores especiais da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Organização dos Estados Americanos (OEA) e em estudos aprofundados sobre o tema, como o elaborado por grupo de especialistas de alto nível da Comissão Europeia, intitulado “Um enfoque multidisciplinar sobre a desinformação”, lançado em 2018. Isso porque, temendo uma condenação grave, as chances de o cidadão comum deixar de se posicionar ou criticar um candidato durante a campanha são significativas.

Num contexto de eleições municipais, onde a desigualdade entre os detentores do poder local e o eleitor se manifesta de maneira muito mais direta, os riscos do dispositivo defendido pelo Congresso nessa quarta ser usado para criminalizar ativistas, defensores de direitos humanos e movimentos sociais. Também nunca é demais lembrar que o Brasil se tornou um dos países mais perigosos para jornalistas e comunicadores populares trabalharem nos últimos anos. Não há dúvidas de que, num contexto em que o estímulo aos ataques à imprensa parte diariamente do Palácio do Planalto, o texto aprovado pela maioria dos parlamentares será usado para calar vozes dissonantes.

Por onde enfrentar o problema

A cadeia de produção e disseminação intencional e em massa de desinformação não é pequena. Mais do que votos, muita gente ganha dinheiro com isso. São esses os elos que precisam ser criminalizados. Em cartilha sobre o tema lançada no último dia 20 de agosto, o Intervozes aponta alguns caminhos neste sentido. “É fundamental que a Justiça tenha meios de dar respostas céleres às denúncias de desinformação apresentadas. O mesmo pode ser dito em relação ao tempo empenhado de investigação, pela Polícia Federal, de casos de difusão intencional de desinformação. Vale lembrar que já existem leis – como o Código Penal, em seus artigos 138, 139 e 140, que dispõem sobre injúria, calúnia e difamação – que podem ser empregadas para combater a desinformação”, diz um trecho da publicação.

O coletivo também defende que plataformas como Facebook, Twitter e Google adotem políticas que garantam transparência sobre o seu funcionamento e as regras das suas comunidades e que ampliem o controle dos usuários sobre os conteúdos que publicam e acessam, incidindo sobre o chamado efeito bolha e a estrutura de monetização que estimula a criação e difusão das chamadas ‘notícias falsas’. “Fortalecer as soluções coletivas, a busca de regulação dos agentes privados a partir dos dispositivos democráticos e o amplo debate crítico com a sociedade ainda nos parecem ser a melhor abordagem para avançarmos no combate a este problema, em consonância com o direito à comunicação”, afirma o Intervozes.

Infelizmente, o Congresso Nacional apostou num caminho que pode parecer mais fácil, mas que será mais danoso à nossa democracia, porque atingirá um de seus mais importantes pilares: a liberdade de expressão. A fábrica de desinformação que segue operando direto da Esplanada dos Ministérios em Brasília precisa, sim, ser desmontada e os responsáveis por sua estruturação devem, sim ser responsabilizados. Mas não nos iludamos: em termos de autoritarismo, quem pagará mais caro com o veto derrubado por deputados e senadores serão aqueles que ousarem enfrentar os de cima.

Bia Barbosa é jornalista, especialista em direitos humanos pela USP e mestra em Gestão e Políticas Públicas pela FGV-SP. Integra a Coordenação Executiva do Intervozes.

(Publicado no Congresso em Foco. Crédito da foto: Agência Câmara.)

 

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[30/8/19]

 

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