Soluções tecnológicas para o problema das notícias falsas

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Por Fabrício Benevenuto.

Recentemente, visitei o belíssimo Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro, e tive a oportunidade de ver uma exposição sobre Santos Dumont. Suas invenções não eram patenteadas e não visavam à exploração comercial. O que ele fazia era uma pesquisa associada à engenharia objetivando desenvolver uma tecnologia com potencial de revolucionar nossa sociedade. E isso realmente se concretizou. No entanto, Santos Dumont viveu o suficiente para ver o avião ser usado para fins menos nobres, como nos combates na Primeira Guerra Mundial. Deprimido pelos rumos tomados pela aviação, ele se suicidou aos 59 anos.

As redes sociais talvez vivam hoje um dilema semelhante ao de Santos Dumont. A Primavera Árabe, movimento pró-democracia que levou o sonho libertário a vários países no Oriente Médio, em 2011, teve as redes sociais como o principal meio para o fortalecimento de manifestações populares. Porém, as eleições americanas de 2016 puseram em dúvida a crença de que essas mídias vieram para concretizar o ideal libertário e a democratização, já que se tornaram palco de uma verdadeira guerra de informações em períodos eleitorais.

Como as redes sociais são ambientes em que as pessoas influenciam e são influenciadas, há muito espaço para que o marketing político possa atuar de forma abusiva. O uso de bots e a utilização excessiva de propagandas impulsionadas tornaram o debate sobre as eleições americanas um verdadeiro caos. Em artigo recente, pesquisadores mostraram que um quinto das discussões sobre o pleito dos EUA foi realizado no Twitter por bots. No início deste ano, a justiça norte-americana indiciou alguns grupos russos por terem impulsionado propagandas contendo notícias falsas às vésperas das eleições.

O debate político relacionado às eleições brasileiras de 2018 já começou, e é de se esperar que a disputa no espaço on-line se acentue nos próximos meses. Preocupado com uma possível guerra de informações aqui no Brasil, nosso grupo elaborou um projeto de pesquisa que visa a oferecer uma contribuição social e não só resultados ­acadêmicos. Nosso esforço consiste em trazer transparência para o espaço midiático e identificar tentativas de manipulação de opiniões por meio de bots ou disseminação de notícias falsas. Criamos o projeto Eleições sem fake e desenvolvemos vários sistemas como desdobramentos. Em particular, eu destaco dois que abordam questões muito críticas nas eleições de 2016, nos Estados Unidos.

O primeiro é um monitor de anúncios do Facebook, que visa a coletar e tornar pública uma amostra das propagandas impulsionadas nessa plataforma. No Facebook, é possível fazer uma publicidade e usar como alvo um grupo demográfico muito específico e até mesmo pessoas interessadas em um dos candidatos à presidência. A lição que fica das eleições dos EUA é que, sem transparência, ninguém sabe i) quais propagandas foram impulsionadas nessa plataforma e se elas contêm notícias falsas ou difamatórias; ii) quem fez as propagandas: os partidos ou indivíduos não autorizados a realizar propaganda política em período eleitoral; iii) quanto custaram tais propagandas políticas. Essa plataforma possibilita que o próprio eleitor faça campanha política, sem qualquer intermediação pela campanha oficial do partido e sem contabilização, o que pode ser usado para disseminar notícias falsas e operacionalizar uma nova forma de caixa dois.

Visando a monitorar as propagandas políticas vistas por brasileiros no Facebook, desenvolvemos extensões para os navegadores Chrome e Firefox. Essas extensões coletam as propagandas vistas pelos usuários que as instalam e as tornam públicas por meio de uma máquina de busca. Nosso sistema possibilita que qualquer um analise os anúncios coletados e encontre irregularidades em campanhas políticas feitas via Facebook.

O segundo sistema que destaco identifica bots, entidades de inteligência artificial que imitam o comportamento dos usuários reais, existentes em grande número nas redes sociais. Nosso sistema identifica se são bots ou humanos os usuários que promovem hashtags no Twitter. Isso ajuda a descobrir se movimentos populares nas redes sociais surgiram espontaneamente ou foram criados artificialmente.

Nosso portal conta ainda com outros três sistemas que oferecem informações valiosas sobre os sites de notícias no Facebook e sobre os candidatos e seus interessados. Nosso esforço consiste em apresentar soluções tecnológicas que visam à transparência de forma a tornar públicas e de fácil acesso as atuações de campanhas políticas nas redes sociais, ajudando, com isso, a reduzir o uso abusivo desse espaço em tempos de eleições.

As redes sociais tiveram e continuam tendo um papel transformador em nossa sociedade. Elas vieram para potencializar nossa capacidade de comunicação e são veículos importantes para a disseminação de ideias e notícias. Também podem ser um ambiente democrático para discussões. Com um esforço conjunto da imprensa, de acadêmicos, das entidades governamentais e dos usuários das redes sociais, as eleições de 2018 poderão ser realizadas sem fake.

Fabrício Benevenuto é professor do DCC/UFMG e coordenador do projeto de pesquisa ‘Eleições sem fake’.

(Publicado no Boletim da UFMG.)

[11/6/18]

 

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