Jornalismo de moda e direitos humanos

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Por Valéria Said Tótaro.

Por que propostas de projetos de lei para uma eficaz erradicação da escravidão moderna, com foco na indústria da Moda, precisam ser pautadas semanticamente pela imprensa?

Há 130 anos a Lei Áurea aboliu oficialmente a escravidão no Brasil, mas em 1995 o governo teve que reconhecer a existência de escravos modernos diante da Organização das Nações Unidas (ONU). Atualmente, o país é apontado como modelo mundial de combate ao trabalho análogo ao escravo pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e o Conselho de Direitos Humanos da ONU, pelas suas iniciativas para cumprir o Plano de Erradicação do Trabalho Escravo nos três principais setores em que a submissão de indivíduos à condição de trabalho degradante é mais recorrente: a agroindústria, a construção civil e a Moda, cujo crime corporativo parece ser compensador financeiramente.

Explica-se: muitas empresas fast fashion estão ajustadas à modalidade de produção industrial conhecida por sweating system (sistema de suor), baseadas nas terceirizações para fornecedores, que, por sua vez, “quarteirizam” oficinas com trabalhadores geralmente aviltados em seus direitos fundamentais, por contratantes que quase sempre não assumem eventuais responsabilidades jurídicas e por uma imprensa ainda pouco preparada para exercer a crítica de mídia em coberturas jornalísticas em Moda e Direitos Humanos, a exemplo do debate público sobre a temática, que aconteceu no Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais, em parceria com sua Comissão de Ética e Liberdade de Imprensa.

De fato, é por essa prática de dumping social fashion, isto é, da precarização do trabalho com o objetivo de reduzir custos e aumentar a competitividade no mercado, que empresas de moda brasileiras devem ser mais fiscalizadas por consumidores e pelo poder público, pois, como demonstrado em outro artigo, “Por que a Moda precisa de uma revolução e de mais transparência em sua comunicação?”,muitas marcas não praticam uma política de comunicação transparente com seus fornecedores, como a rastreabilidade de suas peças, a fim de evitar que sejam envolvidas com o trabalho escravo contemporâneo.

Por isso, a imprensa tem papel decisivo nessa parceria entre o Ministério Público e os cidadãos no combate a esse crime contra a humanidade: investigar e apurar as denúncias com acurácia, pois é direito fundamental de todos terem acesso à informação de relevância pública, a partir do princípio do contraditório em temas controversos, imperativos categóricos jornalísticos em conformidade com o Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros (Artigos 1º, 2º, 4º e 7º). De posse dessas informações, o cidadão pode se posicionar criticamente sobre as marcas que consome e cobrar delas as devidas responsabilidades sociais e morais com seus trabalhadores.

O reconhecimento internacional do Brasil no combate ao trabalho escravo moderno teve início em 2003, quando a lei penal brasileira, em seu artigo 149, passou a identificar as condições degradantes de trabalho e a jornada exaustiva como elementos característicos da escravidão moderna, além do tradicional cerceamento da liberdade formal (trabalho forçado e impedimento de ir e vir). Mas apesar do avanço semântico-penal para o combate desse crime, parte do empresariado fashion ainda não percebeu que a ética e a estética, simbioticamente, devem tecer toda a cadeia produtiva e de suprimentos da moda, por isso, a repressão econômica via legislação penal é necessária para uma eficaz cultura de responsabilidade social empresarial, tendo em vista a limitação jurídica para esse fim.

É o caso da Lei 14.946/13, a Lei Paulista de Combate à Escravidão, proposta pelo deputado estadual Carlos Bezerra (PSDB) e citada pela ONU como modelo legislativo e referência mundial por ser rígida nas punições e detalhista nas previsões, como a cassação da inscrição no cadastro de contribuintes do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual, Intermunicipal e de Comunicação (ICMS), ou seja, a empresa não mais poderá vender seus produtos no estado paulista. A sanção é extremamente contundente e compatível com o necessário enfrentamento da escravidão moderna, como defende a coordenadora da Clínica de Trabalho Escravo e Tráfico de Pessoas da UFMG e doutora em Direito do Trabalho, Lívia Miraglia, justificando: “se o trabalho escravo é, ainda, extremamente lucrativo, é imperativo que o enfrentamento envolva, justamente, o lucro das empresas” . Note-se que, pela regulamentação da Lei 14.946/13, somente as empresas flagradas após 28 de janeiro de 2013, data em que foi sancionada, poderão ter o registro de ICMS cassado, após processo administrativo, se condenadas em decisão colegiada, independente da instância ou do tribunal, entre outras punições:

Artigo 1º – Além das penas previstas na legislação própria, será cassada a eficácia da inscrição no cadastro de contribuintes do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual intermunicipal e de comunicação (ICMS) dos estabelecimentos que comercializarem produtos em cuja fabricação tenha havido, em qualquer de suas etapas de industrialização, condutas que configurem redução de pessoa a condição análoga à de escravo.

Artigo 2º – O descumprimento do disposto no artigo 1º será apurado na forma estabelecida pela Secretaria da Fazenda, assegurado o regular procedimento administrativo ao interessado.

Artigo 3º – Esgotada a instância administrativa, o Poder Executivo divulgará, através do Diário Oficial do Estado, a relação nominal dos estabelecimentos comerciais penalizados com base no disposto nesta lei, fazendo nela constar, ainda, os respectivos números do Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ), endereços de funcionamento e nome completo dos sócios.

Artigo 4º – A cassação da eficácia da inscrição do cadastro de contribuintes do ICMS, prevista no artigo 1º, implicará aos sócios, pessoas físicas ou jurídicas, em conjunto ou separadamente, do estabelecimento penalizado:
I – o impedimento de exercerem o mesmo ramo de atividade, mesmo que em estabelecimento distinto daquele;
II – a proibição de entrarem com pedido de inscrição de nova empresa, no mesmo ramo de atividade.
§ 1º – As restrições previstas nos incisos prevalecerão pelo prazo de 10 (dez) anos, contados da data de cassação.

De fato, a escravidão contemporânea é para ser erradicada e não contemporizada, por isso, também deveria ser imprescritível, como propõe a PEC 14/2017 (Proposta de Emenda Constitucional), em análise na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), de autoria do senador Antônio Carlos Valadares (PSB-SE), por ser uma questão política de ordem moral: os transtornos econômicos causados a empresas exploradoras de trabalho escravo não devem se sobrepor aos direitos humanos por elas aviltados. Por isso, a Lei 14.946/13 é semanticamente sincrônica ao contemplar precisão terminológica e conceitual sobre o sentido moderno da expressão “escravidão”, sob viés humanístico, afastando “incongruências” e “interpretações restritivas”, como explica Miraglia.

Em outras palavras, quando a Lei Bezerra postula que não pode ter ocorrido trabalho escravo “em quaisquer das etapas de industrialização” (artigo 1º) interpreta a escravidão moderna em sintonia com a realidade histórica do Zeitgeist do século XXI e em oposição ao retrocesso hermenêutico da primeira Portaria 1.129/2017 do Ministério do Trabalho publicada no Diário Oficial da União, em outubro de 2017, que flexibilizava as regras para a fiscalização do trabalho escravo moderno dificultando, por exemplo, o acesso à chamada “lista suja” de empregadores flagrados nessas condições.

Com efeito, a referida Portaria baixada pelo governo de Michel Temer retroagia no conceito de “escravidão”, cujo texto apenas o reconhecia como “ausência de liberdade”, não se estendendo à “ausência de dignidade”, conforme o artigo 149 do Código Penal Brasileiro, que segue os parâmetros da OIT e do Conselho de Direitos Humanos da ONU, para os quais órgãos internacionais o trabalho escravo contemporâneo é caracterizado “cumulativa ou isoladamente, pelas condições degradantes de trabalho; jornada exaustiva (sobrecarga que pode acarretar danos à saúde ou à vida); trabalho forçado (mediante fraude, isolamento geográfico, ameaça e violência física e psicológica); e servidão por dívida (contração ilegal de um débito pelo trabalhador e vinculação até o ‘retorno do investimento’ do explorador)”. O próprio Ministério do Trabalho reconheceu a interpretação restritiva dada à expressão “escravidão” e publicou uma nova Portaria com conceitos de trabalho em condições análogas à escravidão para fins de concessão de seguro-desemprego.

A discussão terminológica também está em batalha no processo de regulamentação da PEC 57A/99, aprovada em 2014, segundo a qual estabelece que os locais flagrados com trabalho escravo sejam expropriados, em consonância com dispositivo que já está presente na Constituição, em seu art. 243: o de que a propriedade tem que ter função social. De fato, a bancada ruralista do Congresso quer retroagir no conceito, pedindo a retirada da caracterização desse crime quando trabalhadores forem flagrados em “condições degradantes” e “jornada exaustiva”, por considerá-las expressões “subjetivas”. É sintomático que a discussão semântica, sob o viés dos Direitos Humanos, para confederações patronais e membros da Frente Parlamentar Ruralista seja de ordem econômica e não moral.

Pois, então: a primeira decisão da justiça embasada na Lei Paulista, confirmando que o combate ao trabalho escravo contemporâneo deve estar inserido em um contexto de políticas públicas de Direitos Humanos, foi contra a empresa M5 Indústria e Comércio, proprietária da grife M. Officer quando o Ministério Público do Trabalho (MPT) ajuizou ação civil pública (ACP), em razão da existência de trabalho escravo moderno em sua cadeia produtiva: em diligência de fiscalização, constatou-se que trabalhadores bolivianos eram mantidos em situação precária de trabalho e moradia, submetidos a jornadas extenuantes, em condições degradantes, conforme registra o documento processual da ACP do MPT contra a M5. E, caso não haja recursos ou os tribunais superiores confirmem a decisão, a M5 será oficiada à Comissão Estadual para Erradicação do Trabalho Escravo (COETRAE) e à Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo para as providências da Lei 14.946/13, que, pelo seu Artigo 1º, a empresa pode ter seu registro de ICMS cassado, ficando impossibilitada de exercer atividades econômicas no mesmo ramo, no estado, por dez anos, além de ter que pagar multa de cerca de 6 milhões de reais, que poderá ser revertida ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).

A campanha mundial do Fashion Revolution 2018, “5 anos após Rana Plaza. O que mudou?”, buscou provocar debates com a sociedade sobre o que ainda precisa ser conquistado após a tragédia de Bangladesh, em 2013, quando o Edifício Rana Plaza, que abrigava cinco fábricas de confecção de roupas, desabou, por condições precárias, e matou 1.127 pessoas, ferindo outros 2.437 trabalhadores têxteis em condições degradantes.

Entre os eventos promovidos pelo movimento internacional em diversos estados brasileiros destacaram-se as ações educativas e reflexivas a respeito do combate à escravidão moderna na indústria têxtil do país, como a mesa “Moda e Direitos Humanos”, mediada por esta articulista, que levou à discussão a importância da Lei 14.946/13 para a erradicação do trabalho escravo contemporâneo no campo do vestuário, organizada pela Semana Fashion Revolution BH 2018, no Museu da Moda de Belo Horizonte. Durante o evento, foi lembrado o emblemático episódio da fast fashion Riachuelo, do Grupo Guararapes Confecções, que em 2017 foi condenada pelo MPT a pagar R$ 37 milhões em indenização por contratos de trabalho terceirizados firmados pela empresa, cujos “funcionários” trabalhavam em condições de semiescravidão.

Ao final do debate, especialistas em Direito do Trabalho, estilistas e o público presente ratificaram a importância de mais estados brasileiros “copiarem” a Lei Paulista, a exemplos do Rio de Janeiro, Tocantins, Mato Grosso do Sul, Maranhão e Pará, cujos respectivos órgãos do Poder Legislativo estão desenvolvendo projetos semelhantes à Lei 14.946/13, a fim de adotar mecanismos eficazes para inibir e desestimular a utilização de mão de obra escrava em seus territórios. Em Minas Gerais, desde 2015, está aguardando parecer da CCJ o PL 73.2015, de autoria do deputado Fred Costa (PEN), que dispõe sobre a vedação de contratos e convênios com órgãos e entidades da administração pública e o cancelamento de concessões de serviço público a empresas que utilizarem mão de obra escrava:

Art.1º – Fica expressamente vedada a formalização de contratos e convênios de qualquer espécie pela administração pública estadual e por entidades por ela controladas, direta ou indiretamente, com empresas ou seus fornecedores diretos que, comprovadamente, utilizem mão de obra escrava na produção de bens e serviços.

Se o PL 73.2015 difere da Lei 14.946/13 sobre o tipo de sanção, que, no campo da Moda, a cassação do ICMS parece ser mais pungente do que a vedação de contratos com o poder público, por outro lado, a proposta legislativa mineira assemelha-se à Lei Paulista no viés humanista da expressão “escravidão”, aliás, no PL 73.2015, em seu art. 2º, o conceito é bem mais amplo e detalhado, por isso, caso seja aprovado nesses termos, pode contribuir bastante para afastar interpretações restritivas, ao contemplar precisão terminológica do que considera trabalho escravo:

I – as condições análogas às de escravo e as circunstâncias que evidenciam qualquer servidão ou degradação do ser humano;
II – a negação das condições mínimas de respeito à dignidade da pessoa humana;
III – a implementação de contratos vinculados a um ciclo indefinido de dívida ou circunstâncias outras que importem em execução de trabalhos forçados, indignos e subumanos;
IV – as condições que obriguem o empregado ou trabalhador ou pessoa sob seu controle à prestação ilimitada de serviços, como garantia de pagamento de dívida contraída com o empregador ou seu preposto;
V – a coação do empregado ou trabalhador para que utilize mercadoria ou serviços de estabelecimentos monopolizados pelo empregador direto ou indireto, imobilizando a mão de obra por dívida supostamente contraída;
VI – o oferecimento de condições de trabalho penosas e insalubres, desatendendo aos critérios mínimos de proteção à vida, à saúde e à segurança do ser humano;
VII – o isolamento físico ou emocional do empregado ou trabalhador ou pessoa sob seu controle, negando-se informações sobre a localização e vias de acesso ao local em que se encontre ou implantando servidão de trânsito terrestre, fluvial ou aéreo que dificulte ou torne impossível a liberdade de locomoção do empregado ou trabalhador e de sua família;
VIII – a privação de o empregado ou trabalhador ir e vir livremente, mediante a retenção de documentos pessoais ou contratuais, bem como o emprego de ameaça física ou verbal, força física, violência, utilização de guardas armados ou animais no local de trabalho e moradia.

E na Câmara dos Deputados está em trâmite, na CCJ, o PL 7946/17, proposto pelo deputado Roberto de Lucena (Podemos/SP), que tem por escopo o enfrentamento do trabalho escravo contemporâneo, ao estender-se aos receptadores dos produtos dele advindos, determinando a cassação da inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) de empresas que façam uso direto ou indireto de trabalho escravo. Entretanto, de novo, há um problema de interpretação restritiva do conceito de trabalho escravo no texto do Projeto, que pode dificultar sua eficácia:

Art. 3º– Sem prejuízo das demais sanções previstas na legislação em vigor, as empresas que, comprovadamente, por meio de processo administrativo ou judicial, fizerem uso direto ou indireto de trabalho escravo ou análogo ao de escravo terão sua inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) cancelada, e seus dirigentes ficarão impedidos de atuarem no mesmo ramo de atividade pelo período de dez anos.

Explica-se: o PL 7946/17, ao mencionar apenas a utilização “direta ou indireta do trabalho escravo” não postula precisão conceitual, ainda que haja mérito na intenção da lei, pois a aquisição por empresas de produtos oriundos do trabalho escravo, configurando o uso indireto, pode propiciar o combate a esse crime no âmbito de empresas que se valham dele de forma insidiosa, como afirma Miraglia, emendando para o problema: “a interpretação é cada vez mais restritiva do conceito de trabalho escravo, especialmente após a reforma da CLT.

Enquanto a compreensão do trabalho escravo contemporâneo não for redimensionada para a realidade histórica em que vivemos o combate se mostrará seletivo e pouco abrangente”. Aqui, sugere-se que a expressão “trabalho análogo ao de escravo” seja evitada na elaboração de textos de projetos de lei que queiram ser eficazes na precisão conceitual, pois, semanticamente, pode-se entender a abrangência de todos os tipos de serviços, uma vez que escravos dos tempos coloniais também exerciam atividades como músicos, pintores, vendedores e outros, o que seria um disparate porque não eram “trabalhos degradantes”, já que são as condições em que se trabalha que impõem a degradação e não o trabalho em si, como explica Lília Carvalho Finelli, advogada e acadêmica em Direito do Trabalho.

Por isso, expressões que melhor caracterizam o fenômeno, semanticamente: “trabalho análogo ao escravo”, “trabalho em condições análogas ao escravo”, “escravidão moderna”, “escravidão contemporânea”, “trabalho em condições degradantes”, “jornada exaustiva”, “trabalho escravo contemporâneo”, por serem mais coerentes com a essência do Direito do Trabalho, que tem em seu bojo histórico a resistência e a luta política de classes.

Aliás, o Fashion Law, novo ramo de atuação do Direito em questões jurídicas que envolvem propriedade intelectual, falsificações, plágios, transações comerciais de marcas e a existência de trabalho escravo contemporâneo em empresas de moda muito tem contribuído no combate a esse crime na indústria fashion, seja por meio de trabalhos de conscientização de proprietários de marcas e de consumidores ou na atuação junto ao Ministério Público do Trabalho, como explica a professora especialista em Fashion Law e coordenadora de Direito da Moda da Comissão de Direito do Audiovisual, da Arte e da Moda da OAB/MG, Bárbara Vanoni.

A advogada, que também é designer e produtora de moda, esclarece que a Comissão do Direito da Moda da OAB/MG tem promovido eventos e fóruns com o intuito de trazer mais informações relevantes ao público em geral sobre assuntos relacionados às tendências de mercado, ética, segurança e Direitos Humanos, como o primeiro Fórum de Fashion Law realizado em Minas Gerais, ano passado. Registre-se que até o momento são poucas as seccionais da OAB em todo país que também possuem Comissão direcionada ao Direito da Moda, a exemplos dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Santa Catarina e Paraíba.

Enfim, por tudo isso, defende-se o seguinte: é questão si ne qua non que projetos de lei semelhantes à Paulista, ao serem apresentados no âmbito legislativo municipal, estadual ou federal não reduzam o conceito trazido pelo artigo 149 do Código Penal, retirando hipóteses de jornada exaustiva e trabalho em condições degradantes, mas incluam a devida interpretação terminológica contemporânea da expressão “escravidão”, de modo a serem instrumentos institucionais eficientes e eficazes para punir empresas que obtêm lucros por meio de exploração de trabalho escravo e contribuam para uma Moda socialmente mais justa, além de ética e esteticamente mais admirável em suas coleções.

Mas é imperativo que a imprensa paute mais a Moda sob o viés dos Direitos Humanos e de políticas públicas de comunicação, isto é, mais transparência na comunicação das marcas com seus fornecedores, por exemplo, considerando-se a relevância do fato de o setor fashion, pela primeira vez, em 2018, ter feito parte da agenda anual do maior evento global baseado em Davos/Suíça, a 48ª edição do Fórum Econômico Mundial, que reúne a intelligentsia política e econômica para discutir as questões mais urgentes enfrentadas mundialmente, como responsabilidade e inclusão social de empresas, em especial, de grande parte das fast fashion. De outra forma, ou seja, um jornalismo no campo da Moda sem crítica de mídia vai continuar sendo visto “como uma extensão do departamento de marketing das empresas de moda, não como uma atividade com função e integridade bem definidas”, nas pungentes palavras do filósofo, professor e pesquisador Lars Svendsen, autor de Moda: uma Filosofia (2010, p. 183).

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Valéria Said Tótaro é jornalista (PUC-MG), articulista, professora de Ética, Teorias do Jornalismo e pesquisadora de Moda. Mestra em Estudos Culturais Contemporâneos (FUMEC) e pós-graduada em Gestão Cultural (UNA). Presidente da Comissão de Ética e Liberdade de Imprensa do SJPMG. Desde 2015, é parceira do Fashion Revolution BH. Faz palestras sobre “Jornalismo, Moda, Políticas Públicas Culturais e de Sustentabilidade” e “Jornalismo, Moda e Direitos Humanos”. Organizou e mediou o primeiro debate público sobre “Cobertura jornalística em Moda Ética e Sustentável”, na Casa do Jornalista/SJPMG, em 2017. Defende Filosofia da Moda como disciplina obrigatória nas estruturas curriculares de escolas e faculdades de Design de Moda e está escrevendo os últimos capítulos do livro “Vintage Slow Fashion: moda sob viés político e filosófico”.

(Publicado no Observatório da Imprensa.)

[21/6/18]

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