O Projeto de Lei Federal 2.630, de 2020, atualmente em tramitação na Câmara dos Deputados, foi tema de debate na Comissão, com o foco no papel do texto no enfrentamento à violência no ambiente escolar.
“É necessário regulamentar as plataformas, para que não haja a proliferação das fake news, uma praga que tem contribuído para abalar a nossa democracia”. Ao participar da audiência pública da Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), realizada na tarde da segunda-feira, 8 de maio, a presidenta do Sindicato dos Jornalistas de Minas, Alessandra Melo reiterou o apoio à iniciativa e à avaliação de que o texto do “PL das Fake News” não apresenta ameaça à liberdade de expressão no país.
Alessandra Melo defende limites objetivos para a liberdade de expressão e de imprensa. Jornalistas têm consciência sobre a necessidade da função social e da responsabilidade de sua atividade na geração de informações. Mas discursos de ódio, ataques contra mulheres, racismo, ataques contra escolas, pregação contra a democracia, entre outros casos, devem ser enfrentados com rigor, para inibir a violência estimulada por grupos com a conivência de plataformas.
Jornalista e doutora em Linguística e Língua Portuguesa pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG), Eliara Santana ressaltou a necessidade de se pensar na responsabilidade das redes sociais na consolidação de um ecossistema de desinformação, que permanece funcionando de forma potente no país.
“Narrativas violentas foram e continuam a ser construídas. Não existe liberdade de difundir ódio. Escola e professores foram alvos desde sempre dessa produção sistemática e intencional de conteúdo mentiroso. Quando pensamos na violência contra escolas precisamos pensar nessa narrativa que foi construída”, apontou.
Defesa dos professores
Coordenadora-geral do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (SindUte), Denise de Paula Romano afirmou que o ódio contra as escolas e seus estudantes foi fomentado nas redes sociais a partir do ódio aos professores e a tudo relacionado ao mundo acadêmico.
“Tudo começou com a nossa liberdade de cátedra sendo cerceada e questionada por pessoas que falavam que os professores eram doutrinadores. O incentivo ao ódio e à destruição da escola como espaço de construção coletiva e de tolerância teve como consequências a construção de uma cultura nas redes de defesa da morte. Todos no espaço escolar foram transformados em alvos. E quando chega alguém violento, ele não pergunta o posicionamento político de nenhum aluno. Ele mata os que vê pela frente”, afirmou.
Professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e doutor em Comunicação Social e pesquisador do Margem – Grupo de Pesquisa em Democracia e Justiça, Ricardo Fabrino Mendonça frisou que o conceito de liberdade de expressão precisa ser reconstruído, no sentido de que essa liberdade não pode ser confundida com se falar o que quiser sem consequências.
“O texto do projeto não representa ameaça à liberdade de expressão. Há foco na transparência, muito clara no capítulo 4. Há punição a conteúdos de anúncios e impulsionamento que infrinjam a lei, para que os recursos econômicos não influenciem na incitação do ódio. E o capítulo 10 protege a privacidade de crianças e adolescentes como um todo. As plataformas não são só vitrines. Elas também têm responsabilidade. E as pessoas também ganham, com o texto, a possibilidade de reclamarem das redes e se defenderem delas”, avaliou.
Redes precisam ser seguras para crianças
Presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos, Robson Sávio Reis Souza ressaltou que todos os espaços públicos e privados, como a escola, a igreja e nossas casas têm regras e as redes sociais, como mais um espaço de convivência, também precisam ter.
“O tempo médio de uso da internet entre crianças e adolescentes até 19 anos é de quatro dias inteiros na semana, 197 dias por ano. E os pais não tem como vigiar o que essas crianças e adolescentes acessam o tempo todo. E essas redes tem pedofilia, venda de armas, automutilação, misoginia e incentivo a diversas práticas de crime. Tudo isso chegando, muitas vezes, a crianças que ainda não tem o discernimento entre certo e errado construído”, disse.
Ele ressaltou que o espaço virtual não pode ser uma terra sem lei e a regulação garantirá a liberdade de expressão, pois os usuários poderão dizer o que pensam com responsabilidade.
“É uma discussão sobre em que tipo de sociedade queremos viver e qual futuro queremos construir. A liberdade determina responsabilidade sobre o que a gente faz. Não podemos ter grupos que querem impor sua verdade sobre os demais, é impossível viver numa sociedade assim. Um ser humano responsável precisa assumir o que faz. E a educação é um processo de humanização, que vai além da escolarização”, destacou.
Riscos da desregulamentação
Secretário de Políticas Digitais da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, João Caldeira Brant Monteiro de Castro, frisou que não responsabilizar as redes pode levar a outros atos violentos como os observados em Brasília em 8 de janeiro último.
“As plataformas passam a ter o dever de atuar preventivamente a partir da aprovação dessa lei. Esse é apenas um primeiro passo na estruturação e para avançar no sentido de ações preventivas. Essa é a nossa oportunidade de apresentar respostas. É inegável o papel das redes na violência nas escolas”, pontuou.
Divergência sobre matéria federal
O deputado federal Rogério Correia (PT-MG) disse que a regulamentação das redes sociais e sua responsabilização não é novidade e que países como Inglaterra, França e Canadá estão se debruçando sobre o tema mundialmente. “Muito me admira as campanhas de empresas como o Google aqui contra o projeto, porque na Europa eles tem inclusive colaborado na formulação das regulamentações”, lembrou.
Presidente da Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia, a deputada Beatriz Cerqueira (PT) ressaltou o papel fundamental do Legislativo no enfrentamento à violência contra as escolas. “Muitos professores têm sido expostos por fake news e estão tendo as suas vidas destruídas. Uma estratégia sistêmica contra isso é necessária”, defendeu.
De forma agressiva, os deputados Caporezzo e Bruno Engler (ambos do PL) manifestaram descontentamento contra o texto do projeto e discordaram dos entendimentos apresentados pelos especialistas durante a reunião.
Com informações da Assessoria de Comunicação da ALMG