A vitória do “Não” no referendo realizado na Grécia, neste domingo (5/7), sobre as condições impostas pelos credores ao país em troca de ajuda financeira, é vista com otimismo por Maria Lucia Fattorelli, auditora aposentada da Receita Federal e fundadora do movimento Auditoria Cidadã da Dívida. A União Europeia acena com a retomada das negociações.
Segundo ela, o apoio, com 61,31% dos votos, à posição defendida pelo governo esquerdista grego, abre espaço para estancar o esquema utilizado atualmente na maioria dos países com relação à dívida pública. E o Brasil segue sistema semelhante, com a subtração de recursos públicos para favorecer o setor privado. Maria Lucia conversou com a imprensa nesta segunda-feira (6/7), na Casa dos Jornalistas.
“Esse modelo, que chamamos de sistema da dívida, tem que ser estancado. É um megaesquema de corrupção institucionalizado. O objetivo é salvar o setor financeiro. A Grécia está sendo usada para encobrir o socorro dos países aos bancos europeus, após a crise de 2008. É preciso que haja uma nova direção da economia, voltada para políticas sociais. E o que vem acontecendo na Grécia pode ajudar nesse sentido. O sistema financeiro é muito concentrado, mas a força da sociedade é muito maior.”
Maria Lucia, convidada pelo Syriza, partido de esquerda que venceu as últimas eleições governamentais na Grécia, para compor o Comitê pela Auditoria da Dívida Grega com outros 30 especialistas internacionais, acredita que esse movimento vai ganhar força também no Brasil. “Vamos conseguir realizar auditorias na Grécia e em outros países, como Espanha, Portugal, Itália e Irlanda, e vamos chegar aqui. O sistema da dívida é a usurpação do instrumento da dívida pública, que vai para o ralo. Esse esquema explica as privatizações, as concessões. É a mesma pilhagem que piratas e colonizadores faziam antigamente.”
No caso da Grécia, a especialista diz que, na fase inicial da auditoria, foram analisados minuciosamente dados e documentos do período, a partir de 2010, quando a Troica – Comissão Europeia, Banco Central Europeu (BCE), e Fundo Monetário Internacional (FMI) -, passou a interferir no país, com o contrato bilateral, apresentado como ajuda à Grécia.
“Na verdade, é um contrato vago, sui generis: não diz qual o valor do empréstimo e a data de pagamento do reembolso. Diz que será feito um aporte de até 80 milhões de euros, em data que a Comissão Europeia determinar. Os empréstimos coincidiam com o vencimento de um volume de títulos. Os países desembolsavam o dinheiro e ele não ia para a Grécia, mas para uma conta no Banco Central Europeu, destinado a pagar títulos anteriores. Títulos que vinham sendo negociados a 16% de face, e o contrato garantiu que os bancos recebessem 100% do valor dos títulos. E eles já tinham ganho muito dinheiro em cima destes títulos desvalorizados. O contrato bilateral serviu para reciclar essas dívidas anteriores.”
De acordo com Maria Lucia, a Grécia não recebeu o aporte e está sendo obrigada a pagar juros e a reembolsar o dinheiro. “São dívidas do setor privado transformadas em dívidas públicas”, afirma a especialista. “É um déficit inflado por uma série de itens que não faziam parte da dívida grega, como déficits de setores privados.”
No Brasil, a situação também é complicada, de acordo com Maria Lucia. “A dívida de hoje explodiu a partir de 1970, com dívida para pagar dívida, e estourou em 1980. O milagre econômico não foi milagre. Em 1983, entra o FMI, que está aqui até hoje. Nossa economia é dirigida para o setor financeiro internacional, e não para o Brasil.”
Fattorelli já participou de auditoria no Equador. Em 2007, foi convidada pelo presidente Rafael Correa, para ajudar na identificação e comprovação de diversas ilegalidades na dívida do país. O trabalho reduziu em 70% o estoque da dívida pública equatoriana.