Com a ascensão ao comando da TV Minas de evangélicos e bolsonaristas, indicados pelo governador Romeu Zema (Novo), a emissora pública deu uma guinada para a extrema direita, de olho no eleitorado conservador que o chefe do executivo mineiro tenta conquistar, mirando as eleições presidenciais de 2026. Na última segunda-feira (22/7) estreou na emissora, de segunda a sexta, às 8h , o programa infantil produzido pela pastora Daniela Linhares, com conteúdo criacionista e que reforça estereótipos de gênero.
Batizado de Danizinha Protetora, o programa tem como personagem principal uma jovem que tem os traços físicos da pastora e repete a mesma pregação religiosa que ela faz no púlpito da Igreja Batista Getsêmani, uma das maiores de Minas Gerais. A agremiação evangélica é comandada pelo pastor Jorge Linhares, pai de Daniela, liderança política e presidente do Conselho de Pastores e Ministros de Minas Gerais, e autor de diversos best sellers do campo religioso.
Linhares já teve que se explicar ao Ministério Público por um vídeo criticando a identidade de gênero, publicado nas redes sociais do Colégio Batista Getsêmani de Belo Horizonte, onde é diretor-geral.
Família virou desenho
No site oficial do programa infantil, Danizinha e sua turma são definidas como “personagens que nasceram para defender as criancinhas das maldades do mundo”. Todos têm os mesmos nomes de parentes de Daniela. Entre eles, seu irmão, o pastor Thiago Linhares, e sua mãe, a pastora Glenda Linhares que, na animação infantil, são os personagens Titi e Glendinha (veja aqui).
“Para isso, eles usam o amor, a Bíblia e a coragem”, diz o texto que afirma, ainda, que o lema de Danizinha é “Deus não erra! Menino é menino, menina é menina e os dois gêneros têm muito valor como nasceram”. A inserção do programa na grade não passou pelo Conselho Editorial da TV Minas.
Conteúdos evangélicos
Além do programa, a Rede Minas tem veiculado outros conteúdos de natureza evangélica, como o Ore Comigo, que aconteceu no estádio do Mineirão, em Belo Horizonte, em junho deste ano. O evento gospel contou com a presença de Zema, da secretária de Estado de Defesa Social (Sedese), Alê Portela (PL), filha do também pastor Lincoln Portela, e teve patrocínio da Secretaria de Estado de Cultura e Turismo (link aqui)
Durante cerca de 30 dias, propagandas chamando para o evento, cuja entrada era paga, foram veiculadas gratuitamente na Rede Minas e também na Rádio Inconfidência. Além das chamadas, o evento, que teve o pastor Jorge Linhares entre suas atrações, foi alvo de cobertura especial da TV Minas. E contou com a presença da cúpula evangélica que atualmente dirige a Rede Minas e a Rádio Inconfidência.
Durante o evento gospel, o pastor Fábio Lacerda, da Igreja Batista da Lagoinha, um dos idealizadores do evento, pediu ao público que se virasse para o camarote onde o governador estava e rezasse por Zema e por todas as autoridades presentes. O pastor, que é irmão da dupla sertaneja César Menotti e Fabiano, abençoou “a vida do governador” e desejou que Deus desse a ele sabedoria para “conduzir o teu povo”. Posteriormente, o pastor foi agraciado pelo governador com a medalha do Dia de Minas Gerais.
A TV Minas hoje tem, no seu comando, Luciano Correia, diretor geral, conhecido entre os colegas pelo apelido de pastor, além do diretor de conteúdo e programação, o bolsonarista e filiado ao Novo, Leonardo Vitor, e a diretora de Planejamento e Finanças, Elaine do Carmo Luiz, todos evangélicos.
Bastidores dão conta de que quem manda hoje na TV é esse trio e que o atual presidente, Gustavo Mendicino, deve deixar o cargo e ser substituído pelo diretor geral.
“Congresso de Homens”
A Rede Minas também tem feito cobertura de outros encontros evangélicos, como o “Congresso de Homens”, promovido também pelo pastor Jorge Linhares, no dia 8 de julho deste ano, na sede da Igreja Getsemani, e que contou com a presença da criadora da Danizinha Protetora, sua filha e pastora Daniela Linhares.
De acordo com a reportagem da Rede Minas (aqui), o objetivo do encontro era discutir com os homens, “assuntos do cotidiano à luz do Evangelho”.
Sem aval da Comissão Editorial
A mudança na grade da TV não foi discutida previamente com a Comissão Editorial da emissora, que tem, entre suas competências, a elaboração de análises e pareceres sobre a entrada e saída de programas da grade de programação.
Esvaziado, com várias cadeiras vagas e ignorado pelo comando, o conselho se reune uma vez por semana, mas as atas custam a ser publicadas no Portal da Transparência da emissora. Somente três atas estão disponíveis para consulta.
Nelas, os conselheiros destacaram o excesso de reportagens recomendadas pela diretoria. Lembraram que a TV é pública e não estatal, cobraram definição sobre o conteúdo dos novos programas e relataram as dificuldades que a comissão enfrenta. As atas publicadas podem ser conferidas neste link.
A reportagem questionou a TV Minas sobre os termos do contrato para a exibição da animação evangélica na emissora, o motivo de ela não ter sido avaliada pela comissão editorial e, também, sobre a não publicação, no Portal da Transparência, das atas das reuniões da comissão. Assim que a empresa responder, o texto será atualizado.