Aos 95 anos, foi-se Adival Coelho, o sempre jornalista

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A idade avançada – 95 anos – não impediu que o jornalista Adival Coelho de Araújo perdesse o gosto por aquilo que foi a razão de sua existência: a notícia. Diariamente, pelo rádio, ele acompanhava o noticiário, várias vezes ao longo do dia. Adival Coelho foi um dos fundadores do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e acompanhava também os percalços da profissão. Ele era defensor da volta do diploma para jornalista, mas não conseguiu ver seu desejo tornado realidade. Na madrugada da última sexta, 28, ele faleceu, deixando dois filhos, três netos e uma legião de admiradores entre os jornalistas  que trabalharam com ele na UFMG, em O Diário e no Jornal de Minas.

Na sexta-feira, 21, uma semana antes de falecer, Adival Coelho recebeu, em sua casa, no bairro da Serra, a visita da presidente do Sindicato dos Jornalistas de Minas, Alessandra Mello; e da ex-presidente da instituição, Dinorah do Carmo. Segundo Alessandra, Adival estava lúcido e fazia questão de acompanhar o noticiário. “Ele era viciado em notícia, em informação”, afirmou Alessandra, a quem ele deixou clara sua posição favorável à volta do diploma para jornalista. “Sinto um pesar imenso pela partida para a eternidade do colega e amigo, jornalista e professor”, afirmou Dinorah do Carmo.

A defesa do diploma era algo que tinha a ver com parte da própria história de vida de Adival Coelho, quando ao início dos anos de 1960, junto com os professores Anis Leão e José Mendonça, ele ajudou a fundar o curso de Jornalismo da UFMG. Naquela época, os três estavam com problemas para encontrar mão-de-obra especializada para O Diário. Surgiu, então, a ideia de montar um curso rápido, de três meses, para ensinar os preceitos básicos da profissão. As aulas eram dadas em salas cedidas pela então Faculdade de Filosofia da UFMG. A iniciativa foi o embrião do curso de Comunicação Social da Universidade, fundado em 1961, pelos três profissionais e por professores da Universidade.

Em entrevista ao livro Jornal de Minas: a história que ninguém leu, Adival Coelho descreveu as dificuldade iniciais do curso. Devido à ausência de bibliografia, as aulas eram mais práticas do que teóricas, divididas em três módulos: repórter, redator e editor, este último, segundo ele, desenvolvido para melhorar a administração dos jornais, que, na sua definição, era “meio esquisita”. No depoimento ao livro, dado à jornalista Regina Armênio Pereira, Adival Coelho afirma que devido à falta livros de jornalismo, os próprios professores eram obrigados a produzir as apostilas – que eram impressas em stencil – e a aprender didática para poder ensinar em sala de aula.

Um fundador de jornais

O principais veículos em que Adival Coelho trabalhou foram O Diário e o Jornal de Minas. Porém, ao longo de sua vida, ele foi, por onde passou, um fundador de jornais, como ele relatou a Regina Pereira. A começar pelo Colégio Marconi, onde estudou e criou O Marconiano. Na UFMG, criou o primeiro jornal da associação dos servidores da universidade. O mesmo ele fez para a Associação dos Servidores da Prefeitura de Belo Horizonte. Na Faculdade de Direito da UFMG, onde foi assessor de Comunicação, criou e editou, por muitos anos, O Sino do Samuel, uma publicação interna do curso.

O primeiro emprego de Adival Colho como repórter foi em O Diário, no dia 1º de outubro de 1953. Um mês e sete dias depois, em 7 de novembro daquele mesmo ano, ele se associou ao recém-fundado Sindicato dos Jornalistas de Minas, que funcionava em uma salinha no edifício Mariana, na avenida Afonso Pena, no centro de BH, antes de receber do governo do Estado a doação de sua atual sede, na avenida Álvares Cabral, no início dos anos de 1960. Na entrevista ao livro Jornal de Minas: a história que ninguém leu, ele conta que naquela época, o sindicato vivia com sérias dificuldades financeiras e que, para manter a sede limpa, ele, por um certo tempo, manteve uma funcionária que cuidava da limpeza, varrendo, limpando e encerrando o piso, que era de madeira.

Adival Coelho filiou-se ao SJPMG 7 de novembro de 1953, um mês e sete dias depois que começou a trabalhar em O Diário

O jornalista Manoel Guimarães, fundador do Boletim UFMG, recupera com admiração a memória do colega de profissão, com quem teve convivência “muito longa e fraterna” no decorrer de suas trajetórias profissionais. “Eu trabalhei durante 25 anos na UFMG. Tínhamos uma convivência muito grande. Eu tinha um respeito muito grande por ele”, afirma Guimarães. “A trajetória do Adival é muito ligada à Universidade.”

“Ele foi muito importante não apenas na criação do curso de jornalismo da UFMG, mas também na preparação de profissionais, quando atuava na chefia de redação do jornal O Diário. Muitas gerações de jornalistas foram formadas por ele”, conta. Segundo Manoel, mesmo em seu trabalho na prática do jornalismo, Adival foi “um professor na essência”, dada à sua postura “de ter muito cuidado, de ensinar com muita paciência, de passar informações e experiências para as turmas mais novas”.

Ao centro, de óculos, Adival Coelho participa de uma das comemorações de aniversários que ocorriam todo mês na redação

“Vá com calma”

Quem também lamentou muito sua morte foi a jornalista Fátima Oliveira, que trabalhou com ele no Jornal de Minas e foi uma amiga que com ele conviveu mesmo após o fim da relação profissional. “Estou muito triste. Adival era um grande companheiro. Convivemos muito além do jornalismo. A morte dele me deixa mais pobre. Ele era um homem inteligente, culto, estudioso. Sentirei falta de seu fino humor, das risadas que dávamos sempre que nos encontrávamos”, afirmou Fátima Oliveira.

Em 17 de setembro de 2017, quando completou 90 anos de idade, Adival  recebeu uma homenagem de seus antigos colegas de O Diário e Jornal de Minas, que lhe entregaram uma placa de prata. Há três anos, ele perdeu a visão em uma cirurgia mal-sucedida nos olhos. Nos últimos tempos, Adival pressentia, segundo Fátima Oliveira, que sua vida estava chegando ao fim. “Ele sabia que a morte estava próxima, disse-me em minha última visita. Mas ainda rimos, uma última vez. Meu amigo vai embora dessa vida tão sereno quanto a viveu”, afirmou Fátima Oliveira que definiu Adival Coelho como um editor cuidadoso, que, quando enviava um repórter para a rua, já tinha em mente o tipo de matéria que estaria por ser produzida.

No livro sobre o Jornal de Minas, ela relata um dos vários ensinamentos que recebeu de Adival Coelho. Em deles era sobre a relação com o entrevistado. Adival pediu que ela tivesse calma. “Entrevistado não é inimigo. Vá com calma”.

E Adival-se foi com calma. Morreu de causas naturais, que é quando o corpo meio que não consegue mais dar suporte físico à vida. Na noite do dia 27, com o agravamento de seu estado de saúde, o médico foi chamado. O diagnóstico não era dos melhores. Em função disso, ele dispensou o médico e os enfermeiros que o acompanhavam naquela noite. Disse que não iria dar trabalho para ninguém. Pediu que apenas Neusa, sua acompanhante de anos e fiel escudeira, permanecesse no quarto com ele. Adival Coelho morreu de mãos dadas com ela, de forma muito serena, na madrugada do dia 28, sexta. Foi-se com calma, como ele próprio havia recomendado, anos antes, a Fátima Oliveira.

Adival Coelho de Araújo (17 de setembro de 1927 – 28 de abril de 2023)

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