Entidades de trabalhadores e movimentos populares precisam incluir a alfabetização midiática em suas ações estratégicas
Carlos Plácido Teixeira *
O Brasil precisa “urgentemente de um efetivo letramento midiático” — ou alfabetização midiática –, para que o povo possa entender como se dá a construção e eventuais manipulações nas narrativas propagadas pelos meios de comunicação. A necessidade de desvendar segredos ocultos nos conteúdos das notícias é defendida há anos pela jornalista e doutora em Estudos Linguísticos, Eliara Santana, autora do livro “Jornal Nacional – um ator crítico em em cena”.
Agora, com a consolidaçao do poder das redes sociais, resistentes a qualquer regulamentação de suas atividades, a iniciativa ganha o status de urgência, mais que importante. Em entrevistas publicadas na internet, Eliara assinala que o letramento midiático é uma experiência há muitos anos em andamento na Europa e nos Estados Unidos. “São instrumentos para compreensão de como se faz o discurso da mídia.”
A ideia, segundo ela, não é demonizar a imprensa ou colocar a credibilidade do jornalismo em xeque. Mas expor que pode haver algo nas entrelinhas que não está sendo visto a olho nu. No caso brasileiro, a jornalista e pesquisadora assinala que o Brasil, país hiperconectado, enfrenta pelo três graves problemas em termos do acesso à informação de qualidade: a grande concentração dos meios de comunicação, o fenômeno das fakenews e os grupos religiosos neopentecostais, que se apropriam cada vez mais dos meios de comunicação tradicionais.
Preocupações com o futuro
A mídia comercial tende a incluir o tema da alfabetização midiática, ou letramento em jornalismo, em sua pauta. Exemplo de uma possível mudança de comportamento, o portal de “O Globo” publicou um artigo, assinado pelo jornalista Luiz Claudio Latgé , sobre a necessidade urgente de promover cursos e treinamentos específicos para comunicadores e leitores. “O avanço das mídias sociais e o ambiente de desinformação em que vivemos, no entanto, dão nova dimensão à questão”, defende o jornalista.
É o reconhecimento explícito de que os dois lados da rede onde produtores e consumidores de informações se encontram precisam compreender os componentes subliminares envolvidos em cada conteúdo difundido na internet. Ironicamente, os próprios grupos de comunicação têm sido, há bem mais tempo, um exemplo dos efeitos negativos do “analfabetismo de leitura de mídia”. Como as Organizações Globo. O novo discurso tem o interesse em reverter parte do prejuízo que ela mesma causou, ao apostar na formação de leitores sem senso crítico durante as últimas décadas.
A desregulamentação do mercado de trabalho, sonhada pelos conglomerados de mídia e que resultou no fim da exigência do diploma para o exercício da atividade de jornalista, também resultou em um “tiro no pé” para as empresas jornalísticas. O ambiente desandou. Luiz Claudio Latgé assinala que “o avanço das mídias sociais e o ambiente de desinformação em que vivemos, dão nova dimensão à questão”.
O que é a alfabetização midiática
Processos de capacitação de consumidores de mídias, de impressas a digitais, para torná-los capazes de discernir informações confiáveis de informações falsas ou enganosas, analisar os diferentes pontos de vista e intenções por trás das mensagens veiculadas.
Assuntos relacionados
- alfabetização em jornalismo
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- letramentos midiático
Iniciativas de alfabetização
“Não há nenhuma área de atividade hoje que não seja tocada pelas plataformas de mídia, que despejam toneladas de informações, num fluxo incessante que nos mantém conectados todo o tempo”, assinala o jornalista. No ambiente onde todos podem ser produtores e receptores de informações, Latgé reconhece que, “nos últimos anos, podemos dizer que “sentimos na pele” a proliferação de fake news e desinformação.
O radar do setor de comunicação reage aos riscos do cenário adverso, marcado por ataques às instituições, do jornalismo à democracia. A preocupação com os efeitos da ausência de senso crítico diante da proliferação de desinformações já tem reflexos em discussões na ONU, na União Europeia, nos projetos de regulamentação dos meios digitais e em propostas de cursos e inclusão da construção de atitude crítica, ética e responsável em currículos escolares.
“A recomendação dos organismos internacionais no combate à desinformação passa pela valorização do jornalismo” afirma o autor do artigo publicado no site de O Globo. “Da credibilidade da fonte, do contraditório, da checagem das notícias. Há outras medidas nos campos jurídico e econômico, como responsabilizar criminalmente produtores e financiadores da desinformação.”
Papel da mobilização social
Movimentos sociais, incluindo sindicatos e organizações de defesa do jornalismo e dos trabalhadores, precisam se agir, urgentemente, como promotores de iniciativas de alfabetização em jornalismo. Inclusive com o objetivo de diferenciação entre as posturas de empregados e empregadores, já que o senso crítico definido pelas empresas jornalísticas comerciais é, necessariamente, diferente das definições propostas para os setores populares.
Para a imprensa tradicional, a alfabetização midiática tem como alvo principal o ataque às fakenews e à participação das big techs na concorrência por receitas publicitárias. Então, para os donos da mídia, importa questionar a origem das notícias, as fontes entrevistadas, a responsabilidade dos autores e a veracidade dos dados. E fomentar um espírito crítico e o comportamento ético dos produtores de informações.
Na prática, a proposta dos detentores de poder tem limites, tanto em termos de senso crítico quanto na ética fomentada. Como assinala a pesquisadora Eliara Santana, “há relações de poder ocultas no discurso de informação. E tanto fontes quanto as perspectivas divulgadas pela midia corporativa estão sempre alinhados aos detentores do poder. E apenas um lado ganha visibilidade na mídia”. A alfabetização midiática deve levar isso em conta.