Por Patrícia Faermann, no Jornal GGN.*
Sob a tutela do conceito de liberdade de imprensa, os abusos da mídia, manifestados em grande maioria por atentados aos direitos difusos, foram freados na decisão da Justiça Federal de São Paulo.
Este é um divisor na história de abusos da mídia, as emissoras de TV Record e Rede Mulher foram condenadas pelas ofensas às religiões de origem africana em suas programações. A pena é a produção de quatro programas de televisão, cada uma, em direito de resposta. Cada programa deverá ter a duração mínima de 1 hora e as emissoras deverão disponibilizar seus espaços físicos, equipamentos e pessoal técnico. A decisão é um marco na luta do respeito às culturas afro-brasileiras e do Estado Laico.
O direito de resposta foi concedido pelo juiz Djalma Moreira Gomes, da 25ª Vara Federal Cível em São Paulo, em ação do Ministério Público Federal (MPF), do Instituto Nacional de Tradição e Cultura Afro-Brasileira (Intecab) e do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e da Desigualdade (Ceert), que alegava que as citadas religiões vêm sofrendo constantes agressões em programas das emissoras, o que é vedado pela Constituição. No MPF, a procuradora da República Eugênia Gonzaga foi quem encabeçou a denúncia, continuada pelo procurador Sergio Suyama.
O juiz proferiu que as empresas de radiodifusão são nada menos que um “longa manus (executor de ordens) do Estado” e, como o próprio Estado, “deve se comportar no cumprimento das regras e princípios constitucionais legais”. Entre as obrigatoriedades da nossa Constituição, Djalma Gomes lembrou “a promoção do bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”, além do “pleno exercício dos direitos culturais, protegendo as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras”. Também previsto na Carta Magna, “em caso de ofensa, é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo”.
Em programas mencionados na ação do Ministério Público Federal, pessoas que se converteram à Igreja Universal, mas que antes eram adeptas às religiões afro, foram tratadas como “ex-bruxa”, “ex-mãe de encosto” e acusadas de terem servido aos “espíritos do mal”.
“Os fatos imputados na inicial estão comprovados e são, ademais, incontroversos”, afirmou o juiz, decidindo pela exibição duas vezes de cada um dos quatro programas, totalizando oito transmissões, em horários correspondentes aos em que foram praticadas as ofensas. Os programas deverão ter um espaço de sete dias entre um e outro, e precedido de no mínimo três chamadas aos telespectadores, na véspera ou no próprio dia de exibição – uma pela manhã, outra à tarde e outra à noite.
“Serão feitos pelos autores os esclarecimentos por eles considerados importantes por serem capazes de promover o restabelecimento da verdade segundo práticas e tradições de tais religiões”, completou o magistrado. A ação também julgou por uma multa de R$ 500 mil por dia dia de atraso na produção ou exibição dos programas.
Sob a tutela do conceito desvirtuado de liberdade de imprensa, os abusos da mídia, manifestados em grande maioria pelos crimes difusos – contra religiões, saúde pública, direitos da infância e adolescência, por exemplo, e segmentos afastados da sociedade – foram freados na decisão da Justiça Federal de São Paulo.
(*Publicado pelo Jornal GGN em 15/5/15.)