O motorista também é da minha família, por Ivan Drummond

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Pouca gente sabe, mas tenho mais, muito mais que uma família. Uma delas é a natural, pai, mãe, irmãos, avós, tios, primos. Mas existem outras, por exemplo, a família do colégio. Até hoje, nós amigos do colégio, do time do colégio, dos colegas, nos encontramos. Essa é a minha família do Colégio Arnaldo. Tem também a do futebol de salão, do clube, do Olympico, depois Comercial. Mas é minha família do futsal. Tem a família do basquete, do Ginástico. Essa tem parte do colégio, também, mas é dali da quadra, do sofrimento para vencer um jogo, um campeonato. Irmãos de fé, também.

Mas tem uma outra, a do jornal. Dela fazem parte um monte de gente. Quando cheguei, meu pai, que também era de lá, tinha morrido. Fui Abraçado, primeiro, na redação, pois fui diagramador. Era o tempo em que estava estudando Comunicação na Puc – a, tem essa também -, mas depois, virei repórter, e é por aí que essa família cresceu. Por isso, essa crônica. Vocês vão entender.

Quando a gente se torna repórter, a família cresce. Tem o fotógrafo, o que seria das minhas matérias sem as ilustrações, aliás obras de artes destes, e os motoristas. Como chegaria aos lugares, para fazer as matérias, se não fossem eles? Pois eles não só me levaram, mas muitos participaram das matérias.

Não me esqueço do primeiro sequestro que fui cobrir. Fomos à Pampulha, à casa da vítima, depois a Santa Luzia, pois a polícia estava indo pra lá. Pois lá, ficamos na porta de uma casa, que era, também, da casa da vítima. Ficamos nós, repórteres e fotógrafos, bem na porta, à espera de uma informação. Mas meu motorista, Adão, um amigão, ficou distante. Ficava rodando. ia onde estavam policiais, circulava pela rua.

De repente, ele se aproxima, me chama e diz: “Os caras estão dizendo que vão fazer a troca do dinheiro pela vítima, num lugar ermo, aqui perto. Sei onde é. Vamos?”

Foi como uma ordem, aliás, mais que isso. Foram palavras de um irmão. Despistadamente, chamo o fotógrafo, conto pra ele e nos despedimos, dizendo que o jornal tinha mandado a gente voltar naquela hora – nem sei mais qual era.

Pois saímos dali e fomos para um lugar, no meio do mato. O Adão disse que tinha um lugar bom, que podíamos observar a polícia, sem que fóssemos percebidos. Pois não deu outra. Chega um carro e logo depois um outro. O primeiro, de um dos integrantes do grupo de sequestradores. O segundo, de policiais disfarçados.

De dentro de um dos carros, saiu uma mala, que é aberta e mostrada àquele homem que estava sozinho. Era um paco, como se diz na gíria policial, dinheiro falso colocado numa mala.

Era a arapuca, para pegar os sequestradores. Pois o cara saiu dali, com o paco, a polícia o seguiu e chegaram aos sequestradores. Tive uma matéria que ninguém teve, tudo graças a um motorista, ao Adão. Pois ele era integrante da nossa equipe. Era da família.

Os anos passam. Saem motoristas e chegam outros. Pois uma vez, em 1995, Olympico, Arsenal, Estrela do Oeste e Oásis faziam o quadrangular final do Mineiro de Futsal, em Divinópolis. Lá vou eu, com fotógrafo e motorista, o Amaury, um cara divertido, cheio de histórias engraçadas.

Pois lá fomos nós. Nos instalamos num hotel, almoçamos e fomos para o ginásio, esperar o primeiro jogo da rodada dupla. As delegações do primeiro dos dois jogos começam a chegar.

O Olympico é a primeira equipe. Vou para a porta do ônibus, pois pode render uma matéria. Isso já havia acontecido outras vezes. Mas dessa vez, estava enganado. Mas havia, ali, uma história.

Marcão, técnico do Olympico, desce do ônibus e vem cumprimentar. Mas antes de falar comigo, ele se volta e grita: “Murilo”. Disse isso em direção ao Amauri. Eu intervenho e digo que o nome dele é Amauri. Os dois começam a rir, a gargalhar.

Confesso que fico sem entender. Aí, o Marcão me explica. “Conheço o Amauri e o irmão gêmeo dele, o Murilo. A gente jogava, junto, na várzea. Os dois eram meus parceiros”.

Tá, mas e daí? O que tem de tão engraçado nisso? O Marcão então explica. “É que um era da confusão e o outro da paz. O Murilo arrumava a briga e sobrava pro Amauri.”

Diz isso e os dois se abraçam. Esse era o Murilo, um parceirão nas viagens, um contador de casos engraçados, capaz de me surpreender com uma história que não conhecia dele, embora a gente já convivesse há um bom tempo. Daí, a amizade, a irmandade, fortaleceu e tivemos muitas outras histórias juntos.

Pois Amauri se foi, deixando a lembrança da alegria na minha memória.

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