Amauri, o motorista que ensinou gerações de repórteres

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Amauri em uma das reportagens com a equipe do Estado de Minas

Na carteira de trabalho de Amauri Gama está a profissão de motorista. Foi um dos melhores. Conhecia Belo Horizonte e Minas Gerais como a palma da mão. Só pelo jornal Estado de Minas foram 30 anos guiando equipes de reportagem. Mas mais do que isso. Amauri foi um professor para gerações de repórteres. Ensinou sobre a vida, humildade, companheirismo, lealdade e — acima de tudo — sobre jornalismo. Ele tinha um olhar afiado e uma grande capacidade de perceber a notícia, que só aqueles que vivem a reportagem nas ruas e estradas são capazes.

Amauri morreu hoje (14/05), aos 63 anos, após complicações decorrentes de uma cirurgia na vesícula. Deixa a esposa, Maria das Dores Silva; os filhos Michele, Marcos Vinícius e Melissa. O velório será no cerimonial da Santa Casa (Rua Domingos Vieira, 600) de 10h até 12h de sábado (15). E o sepultamento no Cemitério Bosque da Esperança. Devido a pandemia será restrito aos familiares e amigos mais próximos, sendo que apenas 10 pessoas poderão permanecer no velório.

Amigos, aliás, foram muitos que Amauri colecionou durante a vida. “Ele gostava de convidar para churrascos em sua casa, com piscina e chopeira”, recorda o jornalista Paulo Henrique Lobato, o PH, que fez dezenas de viagens com ele durante o período que trabalhou no jornal Estado de Minas. Além das viagens, que eram os trabalhos prediletos de Amauri no ofício de motorista, PH recorda que ele adorava jogar damas, passando sempre na Praça Sete, após o expediente no jornal.

“Ele jogava demais. Ganhava de todo mundo”, conta Júlio César Carvalho, motorista do Estado de Minas e colega de Amauri: “Era alegre, tinha um coração imenso e era um paizão para todos aqui na garagem”. Júlio lembra que Amauri sempre levava lanches para seus colegas motoristas: “Chegava com pão, salame, refrigerante e essas coisas para a turma”.

Apesar da gentileza, Amauri impunha respeito em quem não conhecia. Grande e forte, atuou como segurança das equipes de reportagens inúmeras vezes. Quando surgia uma ameaça, ele cruzava os braços sobre a barriga, fazia cara de bravo e olhava firme para quem atrapalhava o trabalho dos repórteres.

“Um camarada quis tirar satisfação, com ignorância, sobre o que estávamos fazendo ali. De imediato, o Amauri entrou na frente e colocou ele para correr”, escreveu o repórter-fotográfico Gladyston Rodrigues, ao lamentar a morte do amigo em uma postagem no Facebook.

O parceiro de Amauri e Gladyston, nesse dia, era o jornalista Pedro Rocha Franco. Os três faziam uma reportagem sobre a seca no rio São Francisco, em Três Marias, no norte de Minas Gerais. Pedro lembra que Amauri ficou chateado, pois foi preciso apressar a viagem e não possibilitou que Amauri comesse uma moqueca na beira do Velho Chico, em Três Marias, como ele desejava.

Comeram a moqueca no dia seguinte, já em Pirapora. “Amauri foi uma das melhores companhias numa pauta. Além de ser uma ótima companhia no garfo. Aprendi muito com ele”, conta Pedro. O lado guloso de Amauri fez ele ser vítima de peças pregadas pelos colegas, que sempre exageravam sobre o tanto que ele havia comido durante a pauta. “Uma vez fomos no rodízio de tropeiro em Contagem, que tem ovo à vontade. O Amauri comeu dois ovos e eu e o fotógrafo espalhamos que ele tinha comido mais de 15. A história foi crescendo e se espalhando nos carros de reportagem. Cada vez que a escutava novamente o Amauri tinha comido mais ovos”, recorda Pedro.

Amauri conhecia todos os endereços da cidade e também sabia onde encontrar os melhores pratos feitos, vitaminas e lanches. Na região do Barreiro, gostava de almoçar no restaurante que a mãe do jornalista, Marlos Ney Vidal, tinha no bairro Milionários. Amauri conheceu Marlos ainda adolescente, quando ele trabalhava como contínuo no EM.

“O Amauri sempre me ajudava a carregar as caixas pesadas de material de escritório que tinha que buscar no almoxarifado”, lembra Marlos. Quando passou a atuar como auxiliar de redação e era responsável por controlar as viagens dos motoristas, Marlos concedia um prazo extra para Amauri retornar do almoço, para que ele pudesse comer seu prato feito predileto tranquilamente. “Descanse em paz Amauri. E alegre o ambiente onde estiver com sua cativante risada”, deseja Marlos.

Nas postagens de despedida nas redes sociais vários colegas destacaram a risada de Amauri. Era uma expressão de como ele lidava com as brincadeiras numa boa. Dava uma risada mansa e se sentia feliz de fazer parte daquele ambiente meio anárquico, que é um carro de reportagem. Tinha uma capacidade imensa de acalmar repórteres aflitos, mostrar que a ansiedade de um recém-formado era normal, mas que no fim a pauta sempre dava certo e o jornal chegava nas bancas no dia seguinte.

A jornalista Alice Maciel conta que umas das primeiras matérias que fez, quando ainda era foca, foi com Amauri. “Voltei impressionada como ele conhecia cada canto da cidade, além de muitas histórias. A sua participação na apuração foi tão importante que cheguei a perguntar para o editor se não poderia assinar o nome dele na matéria”, lembra Alice.

Para a presidenta do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais, Alessandra Mello, o Amauri era o motorista que todo repórter sonhava em trabalhar: “Ajudou uma geração de focas e experientes a se firmarem na profissão. Sua passagem deixa uma tristeza enorme, mas também muitas boas lembranças. Obrigada, Amauri. Vá em paz”

4 COMMENTS

  1. O que falar sobre esse grande homem. No bairro Nova Cachoeirinha chamarmos de Murilo. O Murilo era uma pessoa brincalhona, respeitador e muito Família. Sempre iria na barbearia do Senhor Manoel para cortar o cabelo, a cada passo que ele dava todos os chamava EI MURILO passar aqui em casa para gente tomar um café. Eu e minha família tivemos o prazer de conviver com ele e família por mais 32 anos. Aprendi muito ele. Murilo vai com Deus e descanse em paz

  2. Amauri; quantas histórias juntos. Quantas viagens. Não era só o motorista, era parte fundamental da equipe. Mas era também aquele que se torna um irmão mais velho. Difícil lhe dá com perdas dessa grandeza. Não partiu um ex-colega de trabalho. Morreu aquele familiar próximo, pois de colega de trabalho, tornou-se amigo, confidente, irmão que com uma imensa bondade, nos fazia sentir bem, com suas palavras tranquilas, mesmo quando tudo parecia não dá certo. Que privilégio o meu de ter lhe conhecido.

  3. Amauri foi um jornalista na essência, como foi meu pai e tantos outros que não passaram pelas faculdades. Foi para o Estado de Minas vindo da SLU e adorava acompanhar a gente ao subir morros de aglomerados, principalmente em campanhas eleitorais.
    Era um parceirão nas viagens. Lembro de uma vez, quando cobria o governo Itamar Franco pelo Estado de Minas (Alessandra Mello cobria pelo jornal O Tempo e Dani Nahas, pelo Hoje em Dia), e viajamos para Ouro Preto para cobrir o 21 de abril.
    Eu e Maria Tereza (fotojornalista) pedimos a redação para nos colocar no hotel do SESC, na área rural, por que lá se hospedavam o próprio Itamar e seu secretariado, como também os governadores que se opunham ao presidente FHC, como Garotinho, e outros, além de políticos como Brizola e José Dirceu. Itamar, como sempre, aproveitava as solenidades de entrega de medalhas para fazer as costuras políticas.
    E o Amauri era o motorista da vez. De última hora, o setor de transportes do EM não conseguiu vaga pro Amauri no mesmo hotel que o restante da equipe, como era praxe. Procurou por toda Ouro Preto, mas os hotéis e pousadas estavam lotados. O único lugar foi o premiado e estrelado Solar do Rosário. Em vez de tirar onda, Amauri ficou constrangido por ocupar uma hospedagem muito superior a nossa e chegou a insistir pra gente trocar, o que não fazia o mínimo sentido do ponto de vista pessoal ou profissional. No hotel do SESC, Estalagem das Minas Gerais – apesar de só termos conseguido chalés bem longe do edifício central, onde ficavam governadores e puíeis agraciados com a Medalga, tínhamos acesso privilegiado a eles durante os cafés da manhã e jantares. Até por isso , sempre agendava minhas hospedagens no mesmo hotel de Itamar , onde quer que fosse.
    Pois bem, depois do expediente, quando Amauri foi nos buscar para jantar é uma cervejinha, eu e Maria Teresa o convencemos a nos deixar conhecer o quarto no Solar e fazemos várias foros do Grande (em todos os sentidos) companheiro, numa cama King, com lençóis rendados de linho e travesseiros de pluma. Foi muito divertido e merecido para uma pessoa fundamental na nossa equipe de reportagem.
    Antes de terminar vou fazer uma inconfidência para quem, como o Pedro Rocha Franco é o PH, zoavam o Amauri. Ele comia menor quantidade de comida que eu e, principalmente, que Maria Teresa Rochedão.
    Vá em paz jornalista Amauri, obrigada por tanto profissionalismo, companheirismo e pela gostosa risada que aliviou tantas jornadas estressantes.

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