Não o chame de jumento! Não o chame de jegue!, por Arnaldo Viana

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Antes de você nascer, seu pai, seu avô, tataravô, muito, mas muito antes, o jumento, o jegue, o jerico, dá no mesmo, era usado como animal de carga ou montaria. É uma subespécie domesticada. Diz a história que, entre os antigos hebreus, considerava-se rico o homem com a maior criação desses animais.De tamanho médio, orelhas compridas, robusto, era e é capaz de romper caminhos recheados de obstáculos Até de se antecipar a perigos.

Os portugueses o trouxeram durante a colonização para ajudá-los a desbravar as terras que Cabral e sua turma de aventureiros descobriram por acaso (?). Há controvérsia. Além de cruzar terrenos inóspitos, carregando o necessário para a ocupação, se proliferaram por aqui graças ao cruzamento com éguas. Assentados, os homens não lhes davam folga. Amarrados a rústicos arados, ajudavam a preparar o solo para plantios.

Nas minas, na escuridão das galerias geladas e úmidas, com enormes bruacas de couro presas às cangalhas, carregavam pedras para a apuração. Muitos jamais viram a luz do Sol novamente. Os que saíam dos buracos, a claridade os cegavam. Tempos depois, levados ao Nordeste do novo mundo, se adaptaram bem ao semiárido. A sobrevivência do sertanejo depositava-se na força e na capacidade daquele animal de não sucumbir às adversidades da caatinga. Tornou-se símbolo da região.

Nas tropas, carregavam fardos de tecidos, alimentos, utensílios, ferramentas e correspondências de norte a sul e leste a oeste. As pedras preciosas e o ouro arrancados do então rico subsolo, viajavam em seus lombos até os portos, por onde a riqueza mineral se esvaía por desejo da Coroa portuguesa. Com o advento de ferrovias, rodovias e veículos motorizados perderam utilidade. São até abatidos e negociados como carne seca, apesar de protestos e liminares revogadas,

Mereciam mais que isso. No mínimo, estátua de bronze entre mandacarus floridos. Mas, não. O Brasil, assim como Angola e Moçambique, herdaram de Portugal, conforme atestam relatos, o hábito taxar alguém não polido ou educado, estúpido, teimoso, sem conhecimento, de jegue ou jumento. Ofensa ao animal, inaceitável por algumas razões. Falta de respeito àquele que prestou grandes serviços à nação.

Não o sacrifique mais. Se discorda de alguém politicamente, ideologicamente, dos modos como ele trata as questões emergenciais do país, das relações não abonadas que mantém, do sorriso forçado, rejeite-o de outra forma. Mas, por favor, não ataque a dignidade daquele que gastou os cascos em matas, desfiladeiros, brejos, morros e pedregulhos para ajudar a construir o que hoje a ganância intolerável insistir em destruir.

PS: Parodiando (desculpem o gerúndio) o amigo Herculano dos tempos de escritas no jornal, dedico esta crônica à memória da talentosa Déa Januzzi e ao se filho Gabriel.

 

[13/11/20]

 

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