Fantasmas e loucos de Ouro Preto, por Mauro Werkema

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Fala-se em Ouro Preto que se cercar é hospício e se cobrir é circo. Não se trata de depreciação da cidade que é hoje Patrimônio Cultural da Humanidade (Unesco/1980) e que nos seus 312 anos de existência tem muitos feitos históricos, cívicos e culturais. E é um destino turístico de fama internacional. Mas a verdade é que a velha cidade, que foi capital de Minas por 177 anos (de 1720 a 1897) e que sediou os principais acontecimentos que levaram Portugal a criar a Capitania das Minas do Ouro, em meio ao conflito pela cobrança do famoso quinto do ouro, primeira demonstração de que os mineiros não gostam de pagar imposto, tem realmente muito a contar quanto a excentricidades. E também loucos famosos. Alguns mais conhecidos, como Bené da Flauta e D. Olímpia, históricos personagens, conviventes e até celebrados pelos ouro-pretanos e perfeitamente adaptados à diversidade humana da sociedade local.

Mas cabe explicação. Ouro Preto, desde os tempos de Vila Rica, sempre viveu entre rebeldia e sonhos. Vários foram os conflitos com os colonizadores portugueses que não pensavam em desenvolvimento econômico e cultural da valiosa colônia. Mas só em tirar proveito, o máximo possível. Rebeldias foram muitas e a mais famosa foi o sonho dos inconfidentes de 1789, que pregaram independência e república. E, entre os poetas Tomás Antônio Gonzaga, Cláudio Manuel da Costa e Alvarenga Peixoto, despontou o mais sonhador, o nosso valoroso Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes. Para os críticos da arte, no entanto, a maior rebeldia é o próprio Barroco Colonial Mineiro, que libertou-se dos cânones do barroco europeu e criou linguagens, estilos e ornatos próprios, numa arte autônoma, de que o exemplo maior é a obra de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho.

Os sensitivos não se sentem bem nas ruas de Ouro Preto. Dizem que são muitos os fantasmas a perambular pela cidade e encontrados em cada esquina e a perturbar visitantes sensíveis. Entre eles preponderam figuras históricas mas, em maior quantidade, escravos que sofreram muito, e que perambulam por Ouro Preto como almas penadas, junto com seus carrascos e feitores. Há casos de faniquitos esquisitos, sem motivo aparente, de transes inopinados, quando um fantasma, ainda penitente, penetra em algum visitante de maior sensibilidade.

De resto Ouro Preto é cidade viva em que coincidem, nem sempre bem, um traçado urbano do século XVIII e um dinamismo do século XXI. Contribuem para a loucura da cidade os estudantes e suas repúblicas, festivas, boêmias, que demonstram sua juventude e irreverências, num colorido humano. E tudo isto num cenário setecentista, ruas, escadarias e becos, fachadas coloniais luso-brasileiras, tudo muito natural, em clima cinematográfico, que faz da cidade local para filmagens e novelas, que também propiciam convivência com figuras famosas em estreito relacionamento.

A este já convulsionado panorama humano acrescenta-se o turista. Gente do mundo inteiro, alguns entre diferentes e esquisitos, chatos por natureza, mas que compõem um conjunto rico de figuras excêntricas e surpreendentes pelas ruas, pontos de visitação, restaurantes, fotografando, perguntando, uma babel linguística. Nas ruas de Ouro Preto, em especial nas datas festivas, sempre se encontram artistas, jornalistas, figuras ilustres de toda estirpe e origem, todos em busca de vivências que o clima convivente propicia. Mas é por isto que Ouro Preto encanta e atrai e esta é sua riqueza maior.

Tamanha diversidade de tipos humanos, locais e internacionais, em meio à cidade setecentista, de ruas estreitas que aproximam pessoas e naturalmente as convidam a um enlevo e a devaneios, não poderia deixar de contar com seus fantasmas e os loucos. E o fenômeno não se circunscreve aos que perderam parte da razão mas envolve também a letrados, doutores, professores, religiosos, das melhores famílias locais, fronteiriços e esquizofrênicos mansos, embalados pela clima envolvente de uma loucura saudável.

 

[18/9/20]

 

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