Maniqueísmo barato da Justiça com a imprensa

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Quando jornalistas como Glenn Greenwald são perseguidos, ‘The Intercept’ revela que a Lava Jato privilegia os que apoiam suas teses sem questionar. Nunca será o caso do El País.

Por Carla Jiménez, El País.

O Brasil acordou nesta terça, 21/1, com a notícia de que o jornalista Glenn Greenwald, colunista de The Intercept, é denunciado por um procurador do Ministério Público Federal do Distrito Federal de ter incentivado e orientado o grupo criminoso que hackeou as mensagens dos procuradores da Lava Jato. Mais um episódio de perseguição à imprensa brasileira, que cresceu sob o governo do presidente Jair Bolsonaro. A acusação contra Glenn é frágil, e se desmente na prova apresentada pelo procurador Wellington Oliveira. O jornalista americano, que foi contactado pelos hackers, respondia a perguntas de seu interlocutor sobre como proteger a identidade da sua fonte, que viria a lhe repassar as mensagens hackeadas contendo diálogos dos procuradores no aplicativo Instagram. O material ofereceu pautas para uma série de reportagens, inclusive do El Paíos.

Uma destas reportagens foi publicada nesta segunda, 20, e mostra como a Lava Jato tem colaborado com o tratamento desrespeitoso com a imprensa, inclusive com este jornal. Sob o título “Tentemos ser generosos, rs”, o texto mostra como o chefe da Lava Jato, Deltan Dallagnol (foto), faz distinções na imprensa a partir de uma solicitação feita no dia 30 de agosto de 2018 pelo El País. “Não daria o furo para eles”, disse Dallagnol num dos chats em resposta a um pedido do repórter Afonso Benites, correspondente do El País em Brasília. O jornalista solicitava uma declaração da força-tarefa da Lava Jato —o outro lado, como se diz, em jornalismo— diante de uma afirmação feita pelo advogado Rodrigo Tacla Durán, ex-executivo da Odebrecht, que se refugiou na Espanha quando a Lava Jato já estava em curso. Durán afirmava que a força-tarefa havia agendado uma audiência com ele em 2017, mas nenhum procurador apareceu. No dia 30 de agosto, os chats captados pelo The Intercept Brasil mostram como Dallagnol atuou para tirar o que, do seu ponto de vista, seria um “furo” do El País para privilegiar outro veículo de sua preferência. No caso, O Antagonista.

“Furo”, no jargão jornalístico, é informação exclusiva. Há uma competição saudável pelo furo entre os veículos de comunicação no intuito de capitalizar primeiro a atenção do leitor para um determinado assunto. O The Intercept Brasil mostrou que o procurador tratou com desdém a solicitação do El País por rotulá-lo de esquerda. “El País tem visão de esquerda”, disse ele ao procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, para justificar por que, deliberadamente, optou por dar a informação a outro veículo, sem que este a tivesse solicitado. Ou seja, usou da pesquisa de um para beneficiar outro. É como se um jornal usasse a investigação de um procurador e a passasse a outro para prejudicar a pesquisa do primeiro.
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Diante dessa revelação, a pergunta é óbvia. Onde ficou a ética que o procurador diz pautar seu trabalho neste episódio? Desde quando sua interpretação sobre um jornal faz ele privilegiar este ou aquele veículo? Quando falamos de quanto a imprensa é desrespeitada e manipulada pelo atual governo, com escancaradas preferências por um ou outro jornal que não toca em assuntos que lhe desagradam, questiona-se qual diferença existe entre o joguinho de poder do presidente da República, Jair Bolsonaro, e a gestão de Deltan Dallagnol. Apenas que Dallagnol não faz essas distinções publicamente, ao contrário do presidente. Se criticar, é esquerda e inimigo. Se apoiar, é democrático, merecedor de suas respostas imediatas, informações e entrevistas exclusivas. Uma postura infantil, carente de honestidade e pouca afeita a sua auto-imagem proba.

A reportagem do The Intercept mostra também como Dallagnol procurou influenciar, através de O Antagonista, na nomeação da presidência do Banco do Brasil, evitando que Ivan Monteiro, braço direito do ex-presidente da Petrobras Aldemir Bendine, fosse indicado. Bendine chegou a ser preso pela Lava Jato. As manobras do procurador ajudaram a derrubar a indicação de Monteiro. Não teve sucesso na ânsia de encontrar elementos contra o ministro Gilmar Mendes, como mostrou o EL PAÍS em agosto do ano passado. Dallagnol buscava a suspeição ou até impeachment de Gilmar.

O El País acompanha a Lava Jato desde o início. Fez reiterados pedidos de entrevistas a Dallagnol, sem sucesso. Obteve uma exclusiva em 13 de agosto de 2015, sob o título “A Lava Jato traz uma esperança, cria um círculo virtuoso”. Fez outras entrevistas e publicou artigos também com outros procuradores de Curitiba ao longo dos anos, mas nunca deixou de ouvir os alertas de quem apontava falhas na operação. No segundo semestre do ano passado, foi atrás do The Intercept para pedir acesso às mensagens da Vaza Jato e desde então tem publicado matérias. Mas, antes mesmo de participar desse pool de veículos, já era visto com ressalvas pelo procurador, como se soube nesta segunda, dia 20.

Clique AQUI para ler a íntegra no El País.

(Crédito da foto: Fernando Frazão/Agência Brasil.)

 

[22/1/20]

 

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