O 38º Congresso Nacional dos Jornalistas, realizado em Fortaleza, Ceará, entre os dias 22 e 24 de agosto deste ano, desenvolveu discussões pertinentes relacionadas aos embates atuais da categoria. Em seu segundo painel, denominado “Internet e (des)informação: desafios para o presente”, os jornalistas participantes puderam refletir sobre paradigmas complexos da sociedade atual, como o conceito e a vivência da “pós-verdade”. Para auxiliar na discussão, participaram da conversa Renata Mielli, coordenadora-geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), e Celso Schröder, professor da Famecos e diretor da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj). A mediação foi realizada pela secretária-geral da Federação, Beth Costa.
Celso Schröder iniciou sua fala problematizando a “desconstituição da esfera pública” e colocou a sintomática “mentira digital deslavada” como uma “ameaça à democracia”. Além disso, fez uso do conceito de “mecanismos mentais” ao comentar sobre os compartilhamentos compulsórios de informações fraudulentas. Segundo o professor, as famosas fake news são muito mais do que simples mentiras; elas escondem contextos políticos profundos.
Verdade jornalística
“A verdade é comunista.” Schröder utilizou a frase citada para ilustrar o tratamento dado às notícias que apresentam críticas ao Governo Federal, bem como a qualquer pessoa que se apresente contrária às atitudes do presidente e seus ministros. Também alertou sobre “a mimetização da imprensa e a naturalização das redes sociais”. Segundo o jornalista, o Marco Civil da Internet nasceu de uma iniciativa liberal, opinião rechaçada pela companheira de mesa Renata Mielli.
O professor também defendeu que a “verdade jornalística” provém de uma profissão “essencialmente ética”, portanto, tal postura deve ser preservada por toda a categoria. Ele ainda afirmou que o sistema capitalista está em crise, o que tem ocasionado uma “reorganização econômica do mundo”, criando uma suposta “guerra temperada” (nem quente, nem fria). Segundo ele, toda mentira pressupõe intencionalidade, daí o conceito de fake news como algo, de fato, proposital.
Schröder analisou que os boatos sempre existiram, porém, ganharam potência com a ascensão das mídias sociais. Tal acontecimento ocasionou, no jornalismo, a retirada da responsabilidade do jornalista como mediador da verdade, visto que o número de “gafes jornalísticas” também aumentou no meio digital, gerando falta de credibilidade. No entanto, o diretor da Fenaj afirmou que há uma saída para esse contexto: regulação das mentiras e jornalismo propriamente dito. No mesmo argumento, afirmou: o fact-checking é uma “saída errada”. Por fim, aconselhou os colegas a desconfiarem sempre, visto que “as fontes mentem” por, muitas vezes, possuírem interesses próprios.
Indústria da desinformação
Renata Mielli iniciou sua participação fazendo um resgate histórico da internet comercial, que possui cerca de 30 anos de existência no Brasil. A jornalista apresentou as três fases pelas quais a internet transitou e foi se modificando, desde a presença única de grupos econômicos, passando pelo início da interatividade e chegando aos “novos monopólios digitais”. Mielli também criticou o discurso único promovido pelo oligopólio midiático brasileiro, que impede o espaço livre e público de debates.
Na oportunidade, a jornalista esclareceu a relação entre os pacotes de internet móvel e a facilidade da disseminação de informações através do Facebook e WhatsApp. Segundo a especialista, o acesso maior aos aplicativos citados se dá pelo fato de serem gratuitos, ou seja, o usuário que não possuir dados móveis para navegar, ainda terá como utilizar as mídias sociais, dependendo da franquia. Isso constrói um espaço propício para o compartilhamento de informações falsas com elevado alcance.
A coordenadora-geral do FNDC também falou sobre os conceitos de “economia da tensão”, “bolhas nas câmaras de eco” e “fazendas de desinformação”, todos relacionados à lógica do confinamento ideológico, grupos direcionados, redução da pluralidade e agenda importada. Segundo Mielli, existe uma “indústria da desinformação” que deve ser criminalizada, principalmente pelas violações à Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD).
Império das imagens
Retomando a fala, Celso Schröder acrescentou que as “empresas de comunicação estão apostando no fim do jornalismo”, por essa razão, é necessário “reafirmar o jornalismo” como ele é: complexo e contraditório. O jornalista rechaçou a lógica da não leitura, marcada pela apresentação de textos curtos e superficiais.
Renata Mielli, continuando sua argumentação, citou um ditado popular: “quando todo mundo fala, ninguém escuta”. A frase, segundo a profissional, exemplifica o “caos informacional” existente no contexto online. Além disso, destacou a falta de racionalização promovida pelo “império das imagens”, que se detém na “formação simbólica” de uma suposta realidade.
Combater esse “império”, segundo ela, é desafiador. “As nossas racionalidades não destroem os mitos de lá”, enfatizou. Renata também defendeu a regulação de algoritmos, permitindo o acesso a parâmetros que possam impedir o direcionamento de conteúdos. Para finalizar, alertou sobre o perigo da “CPI das fake news“, que pode significar o cerceamento da liberdade de expressão. Schröder também finalizou com um alerta: “fake news são só a ponta do iceberg”.
(Publicado pelo Sindjorce. Redação: Alex Ferreira. Edição: Samira de Castro. Foto: David Leitão Aguiar.)
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[27/8/19]