O efeito The Intercept nas redações dos jornais do Brasil

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As publicações do The Intercept mostram o que acontecia entre as quatro paredes da Lava Jato, um conhecimento importante para evitar a repetição de uma nova Escola de Base.

Por Carlos Wagner, no Observatório da Imprensa.

Lembrem da Escola Base! Essa frase se ajusta ao aviso que vem sendo dado às redações dos noticiários brasileiros pelas publicações do site The Intercept Brasil. Desde a primeira semana do mês passado, o site vem publicando conversas feitas pelo aplicativo Telegram entre o então juiz Sergio Moro, da 13ª Vara Federal, em Curitiba (PR), com os procuradores da República da Operação Lava Jato. A consolidação da imagem de símbolo do combate à corrupção da operação teve como construtora a imprensa, que, devido à concorrência entre os noticiários e à carência de pessoal, enfiou garganta abaixo dos repórteres a Lava Jato. Os conteúdos das delações premiadas e das investigações feitas em campo por agentes inundaram as redações em forma de vídeos, áudios e documentos.

Antes de seguir contando a história. Para quem não é ramo ou é iniciante na reportagem, vou lembrar o que foi a Escola Base; foi o maior erro cometido pela imprensa brasileira, que custou a destruição de uma família em São Paulo e o pagamento de milhões em ações de danos morais pelas empresas de jornalismo. A Escola Base funcionava na cidade de São Paulo e seus proprietários foram acusados de abuso sexual contra crianças em uma investigação mal feita pela Polícia Civil. A imprensa publicou a versão da polícia e transformou o caso em notícia mundial. Novas investigações mostraram que nada do que se tinha noticiado havia acontecido. Aí já era tarde. Nós já tínhamos tornado verdade uma mentira. Voltando a contar a história. Lembro que, logo que a Lava Jato começou a tomar corpo de símbolo da luta contra a corrupção, iniciou-se no nosso meio, principalmente entre os repórteres mais velhos, uma conversa de que a situação lembrava a Escola Base. Todos nós estamos “comendo na mão” de uma única fonte de informações: a operação.

A informação que vinha para nós era de um grupo de pessoas que interrogava, investigava e julgava os suspeitos. O mínimo que se poderia esperar era que cada um cumprisse a sua função determinada pela lei. O que as publicações do Intercept estão mostrando é que isso não acontecia. Muito pelo contrário. Moro não respeitava os limites impostos pela lei entre ele e os procuradores da República, especialmente Deltan Dallagnol, coordenador da Lava Jato. Aqui está o xis da questão. No episódio da Escola Base, nós destruímos a vida de pessoas inocentes. Aqui, a história é outra. Nós fomos os construtores da imagem de símbolo da luta contra a corrupção da Lava Jato. E, com isso, tornamos o então juiz Moro e o procurador da República Dallagnol heróis nacionais. Descobrimos agora que os dois transgrediram a lei; falando um português simples e direto: mentiram para nós, repórteres.

Alegando ter um enorme volume de informações, o site The Intercept vem publicando as conversas dos procuradores a conta-gotas. E, seja lá o que vem por aí, uma coisa já se pode dar como certa: no final de tudo, vai acontecer uma enxurrada de ações pedindo reparação moral pelo que publicamos. Mesmo que a pessoa tenha sido condenada, ela tem direito de pedir indenização. Já vi acontecer. Em 2017, eu tive a honra de ser homenageado pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji). Na ocasião, falei que a maneira como estávamos cobrindo a Lava Jato lembrava a Escola Base. Com astúcia e organização, Moro e Dallagnol souberam usar a imprensa a seu favor. Não é crime. Faz parte do jogo. Lembrando que não foram eles que demitiram jornalistas em massa ao ponto de deixar as redações vulneráveis a esse tipo de coisa. É simples assim.

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(Carlos Wagner é jornalista. Publicado originalmente no blog Histórias Mal Contadas.)

 

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#SindicalizaJornalista

[19/7/19]

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