Construtoras processam jornalista por ‘dano’ a Parque Augusta, em SP

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Sem apresentar provas, dono da Setin, diretor da Cyrela e secretário do prefeito Doria acusam repórter, que denunciou degradação no parque, de quebrar um tapume.

Por Fausto Salvadori.

Quando a jornalista Maria Teresa Cruz resolveu entrar no Parque Augusta, na região central da cidade de São Paulo, em abril de 2016, e mostrar a degradação produzida ali pelas construtoras Cyrela e Setin, que haviam comprado o terreno e erguido tapumes para proibir o acesso do público ao local, ela sabia que incomodaria gente graúda. Mas ela só descobriu o tamanho do incômodo que havia gerado no começo deste ano, quando recebeu em sua casa uma intimação judicial.

Ao consultar o processo, Teresa descobriu que estava sendo processada por nomes que encarnavam uma parte significativa da elite empresarial e política de São Paulo. Na queixa-crime registrada contra a jornalista, em 26 de outubro de 2016, aparecem como representantes legais os nomes de Antonio Setin, fundador e presidente da construtora que leva o seu nome, Adelino Bernardes Neto, sócio de Antonio, Rafael Novellino, diretor financeiro da Cyrela, e Claudio Carvalho de Lima, que na época era vice-presidente da Cyrela e hoje comanda uma das pastas mais importantes do governo do prefeito João Doria (PSDB), a Secretaria das Prefeituras Regionais.

Mais do que a envergadura dos nomes, porém, o que impressionou Teresa foi o tipo de acusação que o quarteto fez contra ela e o advogado Daniel Biral, que a acompanhou na visita ao Parque Augusta. Sem questionar as denúncias apresentadas pela matéria, os empresários acusavam Teresa e Biral de terem destruído um tapume metálico do parque e pediam a condenação de ambos pelo crime de dano, previsto no artigo 163 do Código Penal, com pena de um a seis meses de detenção. “É uma denúncia que beira o surrealismo”, define a repórter. “Eu me senti afrontada no direito à liberdade de expressão e, sobretudo, à liberdade de imprensa. A motivação das construtoras é clara: vingança”, afirma.

‘Intimidação’, afirma sindicato

Teresa, que também é editora e repórter da Ponte, produziu a reportagem sobre o Parque Augusta para seu blog Cenas da Cidade, publicado no Terra, e para o site Ondda. No processo criminal, os empresários inseriram cenas da matéria e afirmam que o vídeo “narra os fatos objeto da presente queixa-crime, deixando claro visivelmente o momento da invasão e do dano causados pelos querelados, conforme prints do vídeo abaixo e ora juntados”. Não há, porém, nenhum momento do vídeo que mostre Teresa ou Biral quebrando tapumes.

Embora o terreno do Parque Augusta seja de uso público, as construtoras Cyrela e Setin, donas da propriedade, haviam conseguido uma autorização judicial para fechar temporariamente o espaço enquanto instalassem ali o seu projeto imobiliário, que prevê usar 40% da área para a construção de duas torres. Antes de as construtoras fecharem o terreno, diversos movimentos em defesa do meio ambiente e contra a especulação imobiliária fizeram ocupações simbólicas do parque, realizando o plantio de centenas de árvores, fazendo o cuidado das plantas nativas da Mata Atlântica que estavam ali e realizando atividades esportivas e culturais, inclusive shows de músicos como Arnaldo Antunes e Karina Buhr.

A reportagem de Maria Teresa denunciava o abandono da área após o fechamento do parque pelas construtoras, que estaria prejudicando a vegetação nativa e as construções históricas tombadas. Enquanto faziam a reportagem, ela e o advogado Biral foram abordados por um segurança da empresa, que os ameaçou: “Vocês estão ferrados, não vão sair daqui livres, vocês serão presos”.

“As construtoras estão me acusando de vandalismo, mas eu não danifiquei nada. Estava apenas fazendo meu trabalho”, conta a jornalista. “Havia um buraco no muro feito anteriormente — não sei por quem nem por que — e um tapume encostado nesse buraco. Afastamos o tapume para entrar no parque, que, segundo o TAC [Termo de Ajustamento de Conduta] do Ministério Público, deveria estar aberto ao publico — pelo menos a área em que fizemos as gravações — por ser um local de interesse público, com edificações tombadas pelo patrimônio histórico e especies nativas que deveriam estar preservadas. O vídeo mostra isso. Há uma parte do vídeo, em que subo no muro para filmar a parte de dentro da área privada das construtoras e chego a narrar ‘aqui, não podemos entrar’. E respeitamos isso”, afirma.

O presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo, Paulo Zocchi afirma que o sindicato “condena a truculência da Cyrela e da Setin”, que “tentam intimidar a cobertura jornalística da luta em defesa do Parque Augusta usando subterfúgios legais”. Segundo Zocchi, a repórter “estava exercendo seu direito democrático ao trabalho e atendendo ao direito público de acesso à informação” quando entrou no Parque Augusta. “O abandono da área na qual se pretende implantar o Parque Augusta é um assunto de interesse público, merece ser apurado e divulgado, e qualquer tentativa de impedir o trabalho jornalístico é uma tentativa de intimidação e censura. Repudiamos um processo cuja base é acusar a jornalista de destruir um tapume, quando o que se pretende é, por meio da intimidação judicial, cercear o livre exercício do jornalismo.”

(Publicado na Ponte Jornalismo. Clique aqui para ler a íntegra da reportagem.)

[2/3/18]

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