Por Ivana Moreira
Começou a circular no dia 1º de outubro a edição de 1 ano da revista Canguru, título mensal que lancei em 2015, cinco meses depois do fechamento da redação de Veja BH, da qual eu era editora-chefe. Loucura investir numa revista impressa em plena crise da mídia em papel? Muitos certamente acham que sim. Eu, não. Tenho convicção de que a crise não é do jornalismo impresso e sim do modelo de negócio que sustenta os veículos impressos tradicionais.
Na semana em que fui demitida da Editora Abril, me permiti passar uma tarde inteira numa banca de revistas. Folheei absolutamente tudo o que havia nas prateleiras. Estava ali um retrato do que as estatísticas mostram: caiu a circulação dos maiores veículos impressos, mas cresceu o número de títulos (pagos e gratuitos) em circulação no país. Dos fãs de esportes radicais aos vegetarianos, não há público que não esteja contemplado. E se esses produtos existem é porque ainda há gente interessada em consumi-los – inclusive em papel.
A percepção positiva sobre os veículos segmentados, incluindo os de papel, me chamou a atenção nas reuniões que tive, nas semanas que se seguiram à minha demissão, com diretores de agências de publicidade e gestores de comunicação de empresas.
Eu estava disposta a seguir pelo caminho do empreendedorismo. Queria tirar da gaveta uma ideia que havia tido uma década antes, mas sabia que precisava me despir do olhar meramente jornalístico. As reuniões com executivos das principais marcas anunciantes da extinta Veja BH foi um ponto de partida. Depois vieram cursos e workshops.
O Empretec (metodologia desenvolvida pela ONU para capacitar empreendedores, aplicada no Brasil pelo Sebrae) foi o divisor de águas. Com receio de que eu estivesse muito abalada pela recente demissão, a psicóloga do processo seletivo chegou a sugerir que eu esperasse mais tempo para me candidatar ao programa. Segundo ela, a experiência mexeria demais com as minhas emoções. Pensei que era balela. Não era. Se eu não tivesse feito o Empretec, é bem provável que não estivesse hoje escrevendo esse texto. Os seis dias de imersão foram uma viagem de autoconhecimento.
Quando meu filho mais velho foi para a escola, aos dois anos, percebi que a mochila que ele levava todos os dias poderia ser um excelente canal de distribuição para uma publicação direcionada aos pais. Quando chegava em casa depois do trabalho, eu sempre abria a mochila ansiosa, em busca dos recados da escola. Bilhetes, circulares e até folhetos de propaganda de empresas parceiras. Eu lia tudo! Mães de primeira viagem são assim: ávidas por toda informação que as ajudem na complexa missão de educar uma criança.
Como jornalista, eu sabia que havia ali uma lacuna editorial. Durante a gravidez, consumi revistas como Crescer e Pais&Filhos, mas elas não conseguiam mais me atender. Discussões sobre partos e o mundo dos recém-nascidos, por exemplo, não me estimulavam mais a pagar por uma assinatura, embora eu ainda tivesse um montão de dúvidas sobre aquele menininho que crescia ao meu lado. Eu queria, principalmente, prestação de serviço: indicação de produtos e profissionais na cidade onde eu morava, Belo Horizonte, e não apenas em São Paulo.
Minha própria experiência de maternidade inspirou o projeto Canguru. A revista impressa, que vai na mochila de 25 000 alunos de 150 escolas particulares de educação infantil de Beagá, é um dos produtos do negócio que criei: uma plataforma de comunicação 360º, on e offline, com forte identidade local.
Além de produzir conteúdo para a revista, a Canguru usa a internet para investir na prestação de serviços, sobretudo de entretenimento. Não sabe o que fazer com as crianças no fim de semana? A Canguru sabe e faz curadoria do conteúdo, disponibilizando informações sobre o que esperar de cada programa. E promove, em média, dois eventos por mês (de sessões exclusivas de teatro para leitores a palestras para pais sobre temas relacionados à criação dos filhos). A Canguru mantém, ainda, uma coluna na rádio CBN e um canal no Youtube, o Criando filhos em BH.
Quando foi às ruas, em 1º de outubro de 2015, a edição número 1 já estava com a tiragem praticamente esgotada. Mais de 140 instituições de ensino, incluindo boa parte dos nomes mais tradicionais da cidade, aceitaram o compromisso de enviar a revista para a casa de seus alunos.
Foi preciso falar pessoalmente com cada diretora – e, pode acreditar, falara com a diretora da escola é quase tão difícil quanto falar com o prefeito! Em um mês, minha equipe visitou cerca de 200 diretoras de Belo Horizonte. A primeira ficha de adesão de escola que voltou preenchida e assinada me emocionou tanto quanto o primeiro PI (pedido de inserção publicitária) que chegou de uma agência.
É provável que, no futuro, a revista impressa perca sua relevância dentro do meu negócio. Por ora, no entanto, é ela que abre as portas para todos os outros produtos da marca, inclusive outros também em papel. Em dezembro, vamos lançar nosso primeiro livro, o Diário da Mãe da Alice, sobre os desafios da “maternidade atípica”, a das mães de crianças com doenças crônicas.
Publicidade é a principal fonte de receita do projeto, embora não seja a única. Os patrocinadores estão na revista, no site, nas redes sociais e nos eventos, onde promovem ações de relacionamento direto com os leitores. Com apenas dez meses de operação, a Canguru atingiu em julho seu primeiro milhão de reais em faturamento. Um marco importante para qualquer pequena empresa, mas que está longe de significar lucro, pois gastamos mais de 1 milhão de reais no mesmo período.
Chegar ao azul é uma questão de tempo – e, principalmente, de escala. Belo Horizonte é só a primeira etapa. O plano é replicar o modelo em outras cinco capitais, começando por São Paulo, e transformar a Canguru na maior plataforma de conteúdo sobre primeira infância do Brasil, atuando em canais digitais, impressos, eventos e produtos. Por que sonhar pequeno?
Com 1 ano de vida recém-completado, ouso dizer que a Canguru é um sucesso editorial. Ainda me pego com olhos marejados cada vez que chega mensagem de uma mãe, de uma professora, atestando a relevância do serviço que prestamos. Mas não esqueço o que me disse, lá no início, o gerente de marketing de um dos anunciantes. “Que você sabe fazer revista, Ivana, ninguém duvida. O que eu quero ver é se você sabe vender revista.” Ainda estou pagando para ver.
Passei anos “vendendo” pautas para os editores, mas não tinha de cobrar por elas. Agora o jogo é outro: preciso colocar preço (e defender o preço). Como a repórter que fui, que queria tanto emplacar boas matérias que nem se importava com o salário que recebia, tendo a flexibilizar demais nas negociações só para ver executadas as ações de brand content e brand experience que criamos para patrocinadores e parceiros. Profissionalizar o comercial da Canguru é hoje minha prioridade. Outra dor de cabeça é o departamento financeiro. O dilema é principalmente a gestão, o controle de custos.
Recentemente, comecei a procurar um sócio-investidor, disposto a injetar capital e expertise de gestão para o plano de expansão da Canguru. É trabalho para Hércules: as notícias sobre a crise nos grandes veículos de comunicação afastam os investidores do setor de mídia. Ainda não encontrei um sócio (e não desisti de procurar!), mas aprendi muitíssimo com os empreendedores que me receberam para falar sobre meu plano de negócio. De cada reunião, saio com a convicção de que é possível gastar menos ou faturar mais.
E esse temor de fracassar ainda está em mim neste exato momento em que escrevo. Mas não houve um único dia de arrependimento por ter começado tudo isso. Se eu tivesse aceitado um convite de emprego (rolaram dois ou três no último ano) em vez de me lançar nessa aventura, teria roubado de mim mesma uma jornada incrível de aprendizado, como profissional e como pessoa.
Sessões de mentoria com alguns dos empreendedores mais bem sucedidos do país, isso não tem preço. E eu tive muitas, gratuitas. Pessoas que abriram uma brecha em suas disputadas agendas para compartilhar conhecimento comigo. Só por isso já teria valido a pena todas as agruras dos últimos doze meses.
Se qualquer um deles me contratasse hoje, teria à disposição uma jornalista muito diferente da que fui, que vê as redações (e as oportunidades de negócios para as redações) com outros olhos. Eu até achava que era boa, mas hoje vejo que não era tanto assim. Pena (para eles…) que eu não esteja procurando emprego.
Mesmo nos piores momentos, quando me ronda o tal medo de quebrar antes de consolidar a Canguru, não me vejo distribuindo currículos por aí. Empreender é um caminho sem volta. Ainda que eu venha a fracassar no projeto atual, não tenham dúvida, vou me lançar em outros. Não me faltam ideias – de projetos e de como colocá-los em prática.
Ivana Moreira, 45, jornalista, é idealizadora e diretora da Canguru. Foi editora-chefe da revista Veja BH, editora-executiva do jornal Metro, chefe de redação da TV Band Minas, chefe de redação da rádio BandNews FM, correspondente do Valor Econômico e repórter do Estado de S. Paulo.
Crédito da foto: Nidin Sanches.
(Publicado originalmente no Draft, em 21/10/16.)